segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Adivinhe quem vem para o café-da-manhã: Carito

Cultura 071109

Carito (Carlos Estevam Dantas Cavalcanti), meu melhor amigo de infância, um homem quase renascentista: arquiteto, poeta, músico, artista, viajante, boêmio, amante da vida – tudo isso de nada valeria se não fosse dom maior: meu irmão, dois anos mais velho.

Era uma vez no oeste (potiguar)! Alguns causos no mar do sertão

No início dos anos 70 eu era criança na ainda semi-deserta praia de Pirangi. Lembro sempre de uma luz imensa à beira-mar e de quando a bola corria levada pelo vento, sozinha, livre, em direção ao norte. Eu via a bola se afastar em direção às pedras antes das praias desertas entre Pirangi e Cotovelo. A bola me chamava e uma mistura de desejo e medo tomava conta de mim. Eu pensava que lá longe, para onde a bola ia, nas pedras, era o fim do mundo. Depois dali eu imaginava um grande abismo espacial. Quando cresci uma bola imaginária me levou para o oeste potiguar e eu conheci o mar do sertão: um novo fim do mundo!

A história do peixe-boi salvo pelo pescador bêbado e o falso fiscal do Ibama

Um dia um peixe-boi encalhou na beira da praia de Ponta do Mel, próximo ao Mel de Baixo. Era um filhotinho. E que filhotinho! Era um filhotão! Apesar de filhote ele era enorme e estava bastante fragilizado. Foi salvo por um pescador, pela manhã, logo cedo. O pescador fez um poço na beira da praia para o filhote de peixe-boi e ficou trocando a água constantemente. Até aí tudo bem! Assim que soubemos, avisamos ao Ibama que nos orientou: ninguém pode ficar tocando no filhote, ele precisa de espaço, as pessoas devem ficar longe, não deve haver confusão. Peguei o jipe e fui até essa parte da praia. No entanto, enquanto o pescador salvava o peixe, nosso herói resolveu beber água – mas aquela água que passarinho não bebe! E quando cheguei ao local, o pescador já estava bêbado, uma multidão formada, a água do poço quente, e o nosso herói abraçado com o peixe dizia:

– Pode ser o homem mais rico do mundo, mas ninguém vai levar o meu peixe!

E agora, o que fazer? Ao saber o que se passava na praia, nosso amigo e parceiro Norton, que estava levando uma viajante para Jericoacoara, resolveu atrasar sua viagem para que o peixe-boi pudesse fazer a viagem dele. Sabendo que o Ibama estava para chegar, Norton aproveitou a oportunidade quando seu jipe foi confundido com o jipe do Ibama.

– É o jipe do Ibama chegando! Gritava a multidão na praia.

Norton já desceu do jipe com uma prancheta na mão, fazendo anotações e perguntando pelo herói salvador do peixe. Foi quando o pescador deixou o peixe e foi dar uma verdadeira entrevista para o pseudo-fiscal do Ibama. Norton fez as mais variadas e inusitadas perguntas as quais literalmente tiraram o pescador de tempo, tiraram o pescador do poço, abrindo espaço para a chegada do verdadeiro Ibama.

Jipe, helicóptero, e um nome de batismo: Petrolino foi finalmente salvo e levado para uma área de proteção ao peixe-boi, com todos os cuidados profissionais necessários. Petrolino seguiu viagem, Norton seguiu viagem, e o nosso herói se misturou à maré, numa ressaca só!

Lampião só queria ver o mar

A avô de Joane (minha mulher), Dona Maria do Carmo, quando era criança, testemunhou uma passagem de Virgulino Ferreira lá por perto de Mossoró. Ela conta que quando ele passou por perto do sítio onde ela morava tudo se calou: grilo, bicho, vento e as crianças que pararam de chorar e assim não chamaram a atenção de Virgulino Ferreira, o Lampião.

Se você traçar uma reta lá de dentro do sertão em direção ao mar ela vai bater em Ponta do Mel. Vindo lá do rio São Francisco, de Angicos, Alagoas direção Pernambuco, passando por Serra Talhada, seguindo em frente passando por Mossoró... Mas Lampião não passou! Lampião entrou em Mossoró e os mossoroenses expulsaram Lampião com uma chuva de balas.

Por isso que tem gente que diz que Lampião só queria ver o mar! Mas os mossoroenses não deixaram. De vez em quando o mar se cala em Ponta do Mel. Como se ainda estivesse esperando ele chegar.

O remédio para a violência lá no Cariri Paraibano

Contando causos da Costa Branca de repente me vejo falando do Cariri Paraibano. Porque tudo está interligado ao mar do sertão. Lembrei dos causos contados pelo vigia lá do Hotel Fazenda Pai Mateus, à noite, na beira da fogueira. Em um desses causos, o próprio vigia contador de causos faz parte da história. Ele nos disse que uma vez uma moça de São Paulo ficou intrigada com a escuridão, com o isolamento da fazenda, e então lhe perguntou:

– Aqui não é perigoso? Essa fazenda assim... tão isolada...

– Aqui não é perigoso não, moça! Porque qualquer coisa assim aqui a gente mata logo que a gente não gosta de violência não!

Até que nem tão súditos assim!!!

Esse causo aconteceu nas vizinhas terras cearenses, pelas bandas de Ponta Grossa, antes de Canoa Quebrada. Foi num barzinho na beira da praia. Eu e Joane acabamos nos entrosando com a mesa vizinha e o dono do bar. A mesa vizinha era composta por um inglês e sua simpática namorada cearense. O problema foi que a partir de um determinado momento o inglês começou a demonstrar um ar de superioridade para conosco. Acho que o inglês pensava que nós éramos seus súditos. E até a namorada do inglês também rebateu alguns comentários dele pra lá de equivocados. Mas o que me chamou mais a atenção foi um comentário do dono do bar, um pescador local e orgulhoso de ser brasileiro e nordestino. Depois de uma série de comentários chatos sobre o Brasil e seu povo, feitos pelo inglês, o dono do bar falou:

– É estranho... Ele vem de uma terra que ainda tem rei, e ainda acha que é mais civilizado e adiantado que a gente!!!

Prosa

“E, quando eu tiver franqueado o último recinto de muros, tu e os homens de tua cidade já terão esquecido o meu nome.”

Dino Buzzati

As montanhas são proibidas

Verso

“Quem nem liga / é quem curte”

Civone Medeiros

“Epigrama #9”

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