terça-feira, 6 de outubro de 2009

Ponto de vista


Que coisa. O poema “Aniversário” de Álvaro de Campos, um dos heterônimos de Fernando Pessoa, saiu ontem, neste espaço, pontuado de interrogações inexistentes – não existe, na verdade, dúvida alguma, naqueles versos. Muito mais nostalgias e certezas: “Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...” – diz o poeta lá pras tantas.

Ver tudo com nitidez é o que o italiano Antonio Tabucchi propõe como último desejo do autor português num livrinho que flutua entre a ficção e a história biográfica – “Os últimos três dias de Fernando Pessoa” (publicado no Brasil pela Rocco). Tem um subtítulo, o livro, que se auto-explica: “um delírio”. Delírio porque narra o fim do poeta, em seu leito de morte no Hospital de São Luís dos Franceses, em Lisboa. Delírio enquanto leitmotiv da própria vida do português.

Tabucchi é fã declarado de Pessoa e – por tabela – de Portugal (é casado com Maria José de Lancastre, uma de suas muitas estudiosas, autora de “Fernando Pessoa, uma fotobiografia”). Em três capítulos mínimos, cada um para um dia (28, 29 e 30 de novembro de 1935), faz que o autor se encontre com alguns dos seus heterônimos, começando pelo já citado Álvaro de Campos.

Vocês hão de lembrar que, tão complexa era a multidão inventada por Pessoa, que ele mesmo empresta lugar e data de nascimento para Campos (no Algarve, em 1890) e uma profissão (engenheiro-naval pela universidade de Glasgow). Com outro heterônimo, Alberto Caeiro, chega a determinar ano e causa da morte (1915, tuberculoso).

Tabucchi vai além – ao fazer seus heterônimos visitarem o poeta moribundo, chega a contrariar-lhes a própria biografia: “Tenho a confessar, meu caro Pessoa”, diz Ricardo Reis, “eu realmente nunca fui ao Brasil, fiz que todos acreditassem, inclusive o senhor, mas na verdade estava aqui, em Portugal, escondido num pequeno vilarejo”. Reis, segundo seu inventor, era monárquico, e quando Portugal transforma-se numa República (em 1910), parte para o exílio no Brasil.

Não acaso citei lá em cima o verso que fala de “uma nitidez que cega” – são essas as últimas palavras de Pessoa:

“Dá-me os óculos.”

Não foi puro delírio de ficcionista de Tabucchi: o primeiro biógrafo de Pessoa, João Gaspar Simões, também seu editor e correspondente, e que lhe sobreviveria muitas décadas (Simões falece em 1987), escreveu: “Foram estas as suas últimas palavras. Como Goethe, mas sem espalhafato nem solenidade, com a modéstia de um ‘correspondente estrangeiro em casas comerciais’, o poeta pedia a única coisa que em verdade lhe tornava o mundo mais claro, na sua ilusória aparência, os óculos que o oftalmologista lhe receitara e o oculista manipulara.”

Coisas estranhas ainda aconteceriam anos depois: em 1970, Almada Negreiros, poeta, romancista, pintor, morreria no mesmo quarto do Hospital de São Luís dos Franceses. Foi um dos últimos encontros – reais – de Pessoa antes de ser internado: os dois poetas beberam um café no restaurante Martinho da Arcada, no Terreiro do Paço. Onde ainda hoje existe uma mesa dedicada a Pessoa. Difícil saber quem senta-se ali: se ele ou um dos seus muitos.

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apocalipse now

Durou pouco a alegria de Alex Medeiros em comemorar o 666o seguidor no twitter: menos de 24 horas depois já tinha 672 seguidores.

666, pra quem não lembra, é o número da Besta, o Cão, o Tinhoso, o Cramunhão.

Martírio

Os releases informam que houve Auto também nas comemorações aos mártires de Uruaçu, em São Gonçalo do Amarante – o “Auto dos Mártires”, claro. A prefeitura gastou 60 mil contos – segundo ela “um investimento feito para divulgar a história do município e o potencial turístico e religioso” do município.

Aconteceu sábado passado – e, claro, os políticos prestigiaram o evento.

Feira

Mais um lançamento, hoje, 19h, na livraria do Midway: um romance.

Escutei na feira” é – segundo Jorge Davim, o autor – uma “história de amor que tem como pano de fundo os causos ouvidos nas feiras-livres, retratando a linguagem e o cotidiano do interior”.

Mesa

Próximo fim-de-semana os espíritos prometem baixar nesta Capital Espacial do Brazil: é a II Mostra Abrarte Nordeste (sigla para Associação dos Artistas Espíritas Brasileiros).

Acontece de 9 a 11 deste mês, na Sociedade Espírita de Cultura e Assistência e no Teatro de Cultura Popular Chico Daniel (TCP), e envolve de um tudo: teatro, poesia, cordel, música, artes visuais, oficinas e debates. Por estas ribeyras, mesmo, coisa de outro mundo.

Pródiga

Roberta Sá volta ao berço esplêndido – faz temporada, de 7 a 10 deste mês, no TAM, ingressos salgados: R$ 60 (inteira).

Prosa

“Muitas vezes nos refugiamos no futuro para escapar do sofrimento.”

Milan Kundera

A insustentável leveza...

Verso

“Deveríamos, penso eu, dizer em termos civilizados: ‘Dane-se’”

Ezra Pound

“Canto XLII”

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