segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Adivinhe quem vem para o café-da-manhã: Luiz Gonzaga Cortez

Cultura 241009

Jornalista e pesquisador, Cortez retorna a esta mesa com banquete farto de histórias, sobre tempos idos e presentes. Leiam com vagar, porque hoje é sábado.

Um recanto turístico Esquecido no Seridó

Não podemos chamá-la da região paradisíaca, exuberante ou cinematográfica, mas entre os municípios de Campo Redondo e Currais Novos, no semi-árido, cerca de 155 quilômetros de Natal, estão os sítios oriundos da primeira fazenda que desencadeou um dos pólos de desenvolvimento daquela micro-região geográfica do Seridó potiguar. Da primitiva Fazenda São Miguel, implantada pelo Capitão José Gomes de Melo, que construiu a casa-grande em 1866, várias famílias se instalaram na área, num longo processo de casamentos endogâmicos que uniram pessoas oriundas de Picuí/PB, Goianinha/RN e do oeste potiguar. Apesar da escassez de água, clima quente, ambiente hostil (por causa dos animais selvagens, como onças, gatos do mato, cobras e outros espécimes), o ambiente hoje tem locais panorâmicos e históricos esquecidos da mídia turística oficial e privada. Os açudes com muita água, cascatas permanentes, casarões seculares, um sítio arqueológico com inscrições rupestres e homens que preferiram ficar solteiros para cuidar de caprinos e ovinos e, assim, curtirem a vida sem preocupações.

Mas o celibato de quase 10% da população da comunidade rural de São Luiz, que ocupa 36 habitações antigas, não é o detalhe mais importante da micro-região que engloba os sítios São Miguel, São Luiz, Santa Rita, Pedra Branca, Grossos e Condado, congregando os descendentes e herdeiros de José Gomes de Melo, Manoel Pegado Cortez, Antonio Xavier Dantas, o Pachier, Lourival Gomes de Assis, Manoel Gomes de Melo (irmão de José Gomes de Melo) e Francisco Gomes. Estima-se que residam 120 pessoas, vivendo da agricultura e pecuária. Eduardo Xavier Gomes, filho de José Xavier Gomes, estudante de ecologia, mora em São Luiz, planta tomates e maracujás numa vazante e em terras irrigadas, defende a preservação dos animais selvagens, como o gato maracajá, mas lamenta profundamente o abandono em que se encontra a casa-grande do antigo Sítio São Luiz, construída por Manoel Pegado Cortez, em 1870, que casou com Maria Senhorinha Dantas. Em virtude do falecimento do marido, a região notabilizou-se com a administração da viúva, Maria Senhorinha Dantas Pegado Cortez, a Marica Pegado, uma culta mulher que soube explorar o casarão como hospedaria, atraindo os viajantes, fazendeiros e políticos do Estado.

O casarão de Marica Pegado está abandonado, caindo aos pedaços, servindo de abrigo para os morcegos, cobras, aranhas e maribondos caboclos. Ninguém se atreve a entrar no velho e histórico prédio que mereceu um estudo da professora Eva Cristini Arruda Câmara Barros, da UFRN, “Estalagem de pessoas e impressos: Sítio São Luiz, casa de Dona Maria Senhorinha (Vila de Currais Novos/RN – 1870)”. “É uma vergonha. A casa grande deveria ser recuperada pelos poderes públicos, como a Fundação José Augusto e outros órgãos”, afirma Diva Gomes Xavier, do Sítio São Miguel, recentemente recuperado por familiares (Odiva Gomes Dantas/José Nilton, Nivaldo, Eduardo e a própria Diva), num mutirão que custou R$ 6 mil.

No trabalho da professora Eva Barros, no qual relacionou 16 títulos na bibliografia, verificamos a importância da hospedaria de Marica Pegado, ao lado de uma estrada carroçável que ligava Natal a Currais Novos, entre 1800 e 1927. “Os resultados alcançados apontam que a residência de D. Maria Senhorinha, por ter funcionado como uma estalagem situada no caminho entre os longínquos horizontes de uma área rural e a capital do estado, Natal, acabou por fazer parte do roteiro dos que ali passavam, logrando reconhecimento e se tornando em um local apropriado às amizades, conversação, amabilidades, ou seja, um espaço receptivo à sociabilidade”, registra a professora. Eduardo Xavier Gomes afirma que um filho de Napier Pegado Cortez (filho de Alfredo Pegado Cortez), Sérgio Cortez, teria feito gestões junto a FJA para tombar o casarão ao Patrimônio Histórico do Estado, mas desconhece os resultados. “Quanto mais tempo demorar, mais cara ficará a sua recuperação”, lembra Eduardo.

Os casarões da região de São Luiz/São Miguel são espaçosos, arejados e confortáveis e apropriados para as pessoas que gostam de viver bem e em locais aprazíveis, próximos dos terreiros, vacarias, riachos, açudes, roçados, galinheiros e hortas. São locais onde se sente o cheiro da terra, dos animais e onde se ouve o canto das aves e dos passarinhos. De onde se vê a passagem rápida dos gatos maracajás, raposas e veados, sem contar os preás que abundam a região, um verdadeiro perímetro panorâmico de cerca de 6/8 quilômetros quadrados, após a Serra do Doutor.

Além da cascata e do pequeno sítio arqueológico da Pedra Branca, o turista pode conhecer os rapazes donzelos (atenção: não são homossexuais!), campesinos fortes e dispostos a duros trabalhos do campo, tais como cuidar de caprinos e ovinos. “É um fato interessante termos vários homens que preferiram ficar solteirões. Motivo? Não sei, mas acho que cada casa é um caso diferente. Temos José Moreno, Fernando Dantas, Antonio Cortez, Chico de Francisco Ramalho, José Cortez, filho de Hélio e os da família Belchior: Chico, Enilson Oliveira, Eugênio, dentre outros, cujos nomes não me lembro. Todos são homens de verdade, em todos os sentidos, de várias faixas etárias, gente boa e honesta. É um percentual elevado para uma comunidade pequena que vive em 36 casas. É ou não é?”, indaga Eduardo. A resposta cabe aos especialistas. Que tal a nossa UFRN se interessar e enviar estudantes da área de ciências sociais e humanas para um amplo estudo acadêmico à região de São Luiz/S. Miguel a 30 quilômetros de Currais Novos? Melhor do que conhecer túneis profundos e inundados de minas falidas. [Luiz Gonzaga Cortez]

Prosa

“Meus escritos tratavam de você, neles eu expunha as queixas que não podia fazer no seu peito.”

Franz Kafka

Carta ao pai

Verso

“Publicar – é o Leilão / Da nossa Mente –”

Emily Dickinson

“Publicar...”

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