sábado, 17 de outubro de 2009

Adivinhe quem vem para o café-da-manhã: Mary Land Brito


Mary Land Brito é editora da revista Preá e assessora de imprensa da Fundação Zé Augusto – poderia falar muito mais sobre ela, mas melhor deixá-la falar:

Viagem ao reino de Chavez

Ao escolher meu recente destino de viagem me fiz a seguinte pergunta: qual o país que não me desperta interesse? Resposta: Venezuela. Bingo! Parti pra lá no meio de setembro determinada a desbravar o país.

Já de volta, descrevo a Venezuela como um lugar sujo, mal cuidado, perigoso, de difícil circulação e despreparado para receber o turista. Percorri o país com uma mochila nas costas, me hospedei em casas de família e hotéis até três estrelas, comi essencialmente nos recintos de comida criola (a culinária típica) e, principalmente, conversei bastante com os venezuelanos, disposta realmente a entender sua realidade.

Estudar sobre o país foi fundamental pra me preparar pra algumas situações, dentre elas a criminalidade e a ação da polícia. Em Caracas, escutava sempre “guarda la camera, chica!”, “no camine solita”. E em cidades menores nem sempre foi possível ficar mais a vontade, principalmente pelo assédio masculino intimidador e agressivo. Em poucos dias de viagem concluí que estaria no lucro se voltasse ao Brasil de posse de minhas câmeras e sexualmente intacta (por opção, lógico). E só pra informar, deu tudo certo, apesar dos inúmeros sustos e desconfortos, como levar “baculejo” de policiais com metralhadoras em punho, simplesmente por estar viajando sozinha. O venezuelano não consegue entender que atrativo o país dele tem pra que turistas se aventurem a conhecê-lo – assim, nos tornamos facilmente seres suspeitos.

Poucos lugares estão preparados pra receber o turista. Até existe estrutura hoteleira, mas o tratamento oferecido muitas vezes me fez lembrar as piadas do Seu Lunga. Higiene também é algo que passa longe da maioria dos estabelecimentos e, pra piorar, a maioria dos hotéis funciona também como motéis.

E os transportes? Ahhhhh, os transportes! O metrô de Caracas até merece elogios. É limpo e bem cuidado. Já os ônibus urbanos e municipais são “mais enfeitados que bicicleta de pedreiro” e sempre estão ao som estridente do ritmo preferido do país, o “reggaeton”. Dos ônibus interestaduais também não guardo as melhores lembranças. Às 2h da manhã, paramos no meio do nada por falta de combustível (detalhe: o litro de gasolina custa cerca de 10 centavos de real). Outro ônibus que parou para nos ajudar foi invadido por homens fortemente armados que fizeram um grande rapa nos passageiros.

Outra situação sempre de grande emoção era o simples fato de fazer câmbio. Oficialmente o dólar valia 2,15 bolívares fortes. No mercado negro trocava-se por cinco, o que fazia valer a pena os momentos de tensão.

Até a metade da viagem o único lugar que tinha achado interessante era a montanhosa e fria região de Mérida, onde fiz parapente num dos picos que está entre os 10 melhores do mundo. Mas ainda assim estava decepcionada com o país. Até que descobri o arquipélago de Los Roques. Simplesmente um paraíso formado por um conjunto de ilhas praticamente virgens perfeito para snorkeling, wind e kite surf, surf, tranqüilos banhos de mar, mergulho ou simplesmente para não fazer nada. É embriagante de belo. Depois de vários dias em Los Roques parti para a Isla Margarita que ficou sem graça comparada à natureza intocável do arquipélago. O único planejamento que tinha era o de estar em Margarita no período do seu Festival de Cinema, mas quando tive que assistir 13 vezes o mesmo bloco informativo das ações de Chavez, antes do filme começar, abandonei o festival.

O Presidente, por sinal, parece estar em uma constante campanha política. Dezenas de pessoas com camisas, bonés e bandeiras padronizadas estão sempre prontas pra reagir as suas declarações com calorosos aplausos e gritos de aprovação. E Chavez não perde a oportunidade de sentar criançinhas em seu colo ou abraçar idosos durante seus pronunciamentos. Além do forte investimento em publicidade, a população também acompanha todos os passos do presidente através da televisão estatal. E as pessoas realmente assistem. Por outro lado, várias também são as manifestações públicas ou midiáticas contra o presidente. Não há meio termo quando se trata de aceitação ao Governo Chavez. Os mais pobres são os mais favoráveis. Uma característica marcante do Governo são as Missões, programas sociais financiados com a receita excedente do petróleo. Uma pesquisa feita pelo Instituto Nacional de Estatísticas mostrou que em 1999, 20,1% da população viviam na extrema pobreza. Este número caiu para 9,5% em 2007. São ações assistencialistas em diversas áreas que até tem dado mais qualidade de vida ao venezuelano, mas não estão surtindo grande efeito na segurança. Criminalidade e delinqüência são sempre citadas em qualquer conversa e é uma veia dolorida e latente. Em 2007, segundo dados da Universidade Central da Venezuela aconteceram uma média de 13 mil assassinatos no país.

Embora tenha vivido prioritariamente em clima de tensão e a estrutura turística do país seja cara e deficiente, a experiência valeu a pena por todo o ganho cultural. E, apesar de ser defensora do ato de viajar sozinha, por toda a interação que a situação exige, não recomendo que isso se faça na Venezuela. [Mary Land Brito]

Prosa

“Nuestras ideas nos traicionan? Vivimos con ellas.”

Edmond Jabès

Un extranjero con, bajo el brazo…

Verso

“Assim será a nossa vida: / Uma tarde sempre a esquecer / Uma estrela a se apagar na treva”

Vinicius de Moraes

“Poema de Natal”

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