quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Na Pipa

Começa então hoje a tal da Flipa – que eu insisto em tratar como se fêmea fosse, mas, não, não é, tendo em vista que é sigla do (de+o) Festival Literário da Pipa.

Longe de ser uma simples questão de gêneros, o evento vai ser bom – até pros neobanhistas botarem os pés no chão e nas areias da praia “mais badalada” deste Ryo Grande e perceberem que o buraco é mais embaixo. Quem vive na Pipa (ou “em” Pipa?!) sabe que o caos ali é vigente, com um trânsito pra lá de confuso, com assaltos, roubos, furtos, as chuvas comendo o barro de um anel viário que não se asfalta e o crack comendo solto os neurônios da rapaziada e o que resta do Paraíso.

Em certos locais, meninos e meninas que me lêem, a Pipa mais parece uma favela cenográfica de “Cidade de Deus”, o filme.

Normalmente, só quando escalpelam um vivente com passaporte gringo é que a mídia se recorda de noticiar e tal.

Deviam então, moradores e comerciantes, promoverem uma ação radical: “Mate um gringo por dia” – pra ver se o assunto merece um pouquinho mais de respeito e consideração, se começam a tratar a pão-de-ló a galinha dos ovos de ouro deste galinheiro em forma de elefante, se as autoridades começam a trabalhar de verdade ou não apenas posar pras fotos turísticas.

Poderiam, ainda, seqüestrar a Danuza Leão. Não sei se tem, ainda, quem pague o resgate – mas que ia chamar a atenção da mídia, ah, isso ia.

Mas, enfim.

Nada de novo.

Aqui, ali, acolá.

Dia desses, dei uma volta em Ponta Negra. Um desmantelo. Poucos turistas – a maioria suspeitos, ou, os suspeitos de sempre, como em “Casablanca”, o filme. Aliás, a orla de Ponta Negra está mais para Marrakesh do que para Aruba (melhor: parece uma Las Vegas paraguaya, à beira-mar).

Dia desses, também, fui tomar café-da-manhã no Centro – histórico, histérico. Tem uma padaria ótima, ali na João Pessoa, a City Pão. O nome, também, fantástico. O pão não é excepcional, nem o café, nem a tapioca, nem o suco de laranja, nem o queijo de coalho, nem nada, enfim – mas por que então é ótima? Porque o atendimento, senhoras, senhores, é ágil, rápido e eficiente. Os caras sabem que precisam vender, naquela uma, duas horas em que o movimento é mais intenso. E perguntam logo o que você quer, e como quer, e sugerem, e correm pra lá e pra cá, e o cliente não precisa nem pestanejar que os atendentes já se perfilam à mesa, solícitos, caneta e pedido na mão.

Aí eu fico pensando nesses restaurantes pretensamente de luxo [sic] do Plano Palumbo [sic] e arredores.

Aí eu penso nas nossas muitas secretarias, estaduais e municipais.

Essa turma devia fazer um estágio na City Pão, pra entender como se trata o cliente, o consumidor, o cidadão pagador de impostos, o eleitor das bienais eleitoreiras em que se transformou essa Nação.

AÍ, VARÊIA

Mas eu me disperso, divago, vareio. Eu falei da City Pão porque, dia desses, já falei, ao sair de lá, quis fumar um cigarrinho e apreciar o Centro se bulindo nas primeiras horas da jornada. Tem uma sombra quase em frente à padaria, dois banquinhos como os de praça. Foi só me aproximar dos tais banquinhos pra ver o tamanho do estrago: mal pintados, mal cuidados, a madeira quebrando aqui e ali, umas tábuas amarradas com arame, a ferrugem corroendo a estrutura de ferro.

Contrariando os bons conselhos de minha vereadora preferida – Júlia Arruda, claro – acendi o cigarro e pensei, enquanto fumava e tragava, que não sou de fumar e não tragar:

– Como é que querem construir um estádio de milhões e bilhões de dinheiro se nem de um simples banco de praça sabem cuidar?

Mas, reconheço, estou pensando demais, e pensando morreu um burro, diz o ditado.

E eu tava falando da Pipa, né? e fui bater na João Pessoa, Cidade Alta.

Longe, pacas.

E a Flipa, o Flipa, começa hoje. Talvez eu vá, e será que vocês me entendem se eu disser que vou mais por conta de Woden Madruga do que por causa de Danuza Leão? Mas é verdade. Mesmo que seja mentira.

*

ar-condicionar

A artista multimídia Civone Medeiros gostou das minhas críticas ao festival de tendas climatizadas que se abateu – faz tempo – sobre este Ryo Grande:

“Ora bolas, uma bela e ampla tenda, com vistas e aberturas para o entorno, a aldeia, a brisa e o mar, mais a presença morosa de ventos atlânticos, por que se ar-condicionar numa urbanidade pequeno-grande-burguesa? Tendas fechadas em plena Pipa? É duro até de imaginar! No mais, bom mesmo ter por este Ryo Grande cópias de eventos que enriquecem e aproximam, escritos, escritores, leitores... Sempre bom!”

Prosa

“é preciso começar pela verdade e terminar do mesmo modo”

Raduan Nassar

Lavoura arcaica

Verso

“Façamos o jogo dos sete erros ao contrário: / eu digo onde vocês erram.”

Fernando Monteiro

“Vi uma foto de...”

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