segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Na Academia


... enquanto eu estava na Academia, aboletado e tentando me equilibrar em cima de uma cadeira de palhinha, todo espigado, bem posto e comportado, me enviam uma mensagem de celular, perguntando como estou, onde estou etc. Eu respondo que tudo bem, que na Academia me encontro. Daí vem a resposta, toda entusiasmo e exclamações, que legal, que bom etc.

Acho que pensaram que eu tinha retornado aos aparelhos de musculação, abandonados ano passado depois de uma tentativa de vida saudável que não durou mais que meia-dúzia de meses.

Mas isso é outro papo, meninos. Aqui vos quero reportar, no sentido de repórter, mesmo, a noite em que o professor Ivan Maciel de Andrade tornou-se imortal – ao menos diante dos ritos e mitos da ANRL, ou Academia Norte-rio-grandense de Letras.

Noite bem freqüentada – em gênero, número e grau. Grande expectativa com os discursos – o de saudação, pelo acadêmico e imortal Vicente Serejo, e o de posse.

Os imortais vão chegando, um a um, em pares, em trincas, acompanhados ou desacompanhados, e a primeira coisa que me chama a atenção é que a ANRL precisa urgentemente de um elevador – mesmo imortais, o peso dos anos, da bagagem literária (ou jurídica, ou social) e a fragilidade dos ossos, obrigam a alguns cuidados. Deve ser por isso que os paramentos são postos no andar superior: subir os degraus com aquela medalha e corrente deve desequilibrar qualquer um. Por sinal, não faltaram comentários de alguns acadêmicos a respeito da inconveniência, feiúra ou falta de bom senso estético da farda oficial. Isto é, ao menos eu ouvi, mas não vou revelar os nomes de quem comentou, que a discrição – como a noblesse – oblige.

Os discursos foram corretos – Serejo começou bem, incorporando, naturalmente, sem forçar a barra, Proust, mas exagerou um pouco nas citações alheias no meio da fala: eu prefiro ler, ouvir, o cronista da Rua da Frente no original, se é que vocês me entendem – e se não entenderam vou deixar claro: quando cita ele mesmo.

Já o do novo imortal pode ser lido (na próxima edição da Revista da Academia, anunciou o presidente) como uma lição de jornalismo: objetivo, sem floreios, devaneios, quase sem emoção, ao menos aquela piegas.

Além dos suspeitos de sempre, duas presenças destaco, nem por isso insuspeitas: o poeta Volonté, o jornalista Woden Madruga. Em comum, em coincidência, tive um lampejo, iluminação, epifania, reencontrando ambos: me dei conta que nem Volonté nem Woden são quem aparentam ser. O primeiro, comecei a desconfiar, é na verdade Nei Leandro (de Castro) disfarçado. Como Zeus, que se disfarçava de Vaca, de Cisne, de Chuva, pra cortejar mulheres e deusas, Nei Leandro se traveste de Volonté pra freqüentar lugares onde não quer aparecer em sua persona comum.

Já Woden Madruga – percebi, quando o encontrei ao pé da longa escadaria encarnada – é um daqueles homens santos indianos, um saniasi. Repararam na barba branca, imaculada? No passo miúdo? No olhar discreto? No sorriso mínimo nos lábios?

Foi aí que eu me dei conta que tinha perdido o penúltimo capítulo de Caminho das Índias. Mas por uma causa justa. Ao sair ainda recebi elogios sinceros de uma mendiga, dessas intocáveis tropicais, que aguardava, com as mãos estendidas, uns trocados do rebanho de imortais. Uns deram outros não. Noblesse oblige.

*

Goiamum

Começa hoje – e segue até o final da próxima semana – o Goiamum Audiovisual, edição 2009, sempre com a mais que competente e simpática Keila Sena por trás – ou na frente – da produção.

O homenageado da vez é Amaro Bezerra, maquiador de cinema e TV (“Boi de prata”, 1973, e “Memorial de Maria Moura”, 1994, entre outros), que participa de coletiva para a imprensa hoje, nove da manhã, no Auditório do Museu de Cultura Popular, ribeyras do Putigy.

Confira a programação completa no sítio www.goiamumaudiovisual.org.br.

MENTIRAS SINCERAS

Experiência Ápyus lança álbum de covers, “Volta por cima” – disponível no sítio da banda, pra ouvir, baixar, linkar etc. (www.experiencia.apyus.com).

Se não chega a empolgar, o resultado é bem interessante ao misturar Cartola com Pink Floyd com Paulo Vanzolini com Strauss.

O melhor é que assumem: “Nem todas as idéias trabalhadas são do grupo, e não há problema em se admitir isso.”

PROSA

“Coveiro, é agradável contemplar as ruínas das cidades, mas contemplar as ruínas dos seres humanos é mais agradável ainda.”

Lautréamont

Cantos de Maldoror

VERSO

“O ofício de sonhar não mais encontra operários.”

Márcio de Lima Dantas

“Quando o que nem começa”

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