sábado, 12 de setembro de 2009

Adivinhe quem vem para o café-da-manhã: Anna Maria Cascudo Barreto


Anna Maria Cascudo Barreto é só simpatia. Dia desses ligou algumas vezes para o meu celular e não pude atender. Prática – de uma praticidade, talvez, nestes tempos de twitter, antiga – escreveu-me uma carta. Que maravilha receber uma carta em pleno século 21, creiam-me vocês, e vocês, que apreciam a leitura, sabem que é verdade. Cartinha escrita à mão, letra caprichada, linguagem coloquial e notícias de tão simples que chegam a ser, por isso mesmo, excepcionais. Cito um trecho:

“Estou enviando seu santinho. Contei que papai tinha sido eleito ‘Patrono da Tradição Popular’ no Congresso Internacional de Contadores de Estórias, no RJ?” – e lá vem, junto ao papel timbrado, o santinho, com foto antiga de Cascudo e a oração que se inicia assim: “Ajude-me meu São Cascudo, que tem coisas nesse mundo que só existem nas memórias do povo mágico das histórias.”

Valei-me, pois, São Cascudo: há coisas sucedendo por estas ribeyras que nem sua imaginação seria capaz de inventar – verdadeiras histórias de trancoso. Mas, enquanto rezo, leiam o café-da-manhã da Presidente do Instituto Câmara Cascudo – Ludovicus (juntei, no final, um outro texto de Anna Maria, sobre as influências familiares, editado, por questão de espaço):

Um prato saboroso, irresistível e eterno

Nordestina de carteirinha, meu café da manhã tem tempero regional: salada de frutas, tapioca, cuscuz, ovo frito. Gosto de madrugar, e enquanto surge o dia, agradecer a Deus pela saúde, pela família.

Nasci e cresci no meio de livros, e sem fugir da destinação, ler e escrever são ofícios de paixão. Há anos todos nós, Cascudos de Natal, nos dedicamos ao Instituto Câmara Cascudo – Ludovicus. Do teto ao piso, passando pela biblioteca, coleções, registro.

Sonhamos com a abertura da Casa Biográfica e não poupamos esforço e reforço. Daliana coleciona todos os volumes e os cataloga; Camilo é engenheiro, arquiteto, construtor e idealizador detalhista; Camilla organiza arcabouço jurídico; Newton funciona na apresentação diária; eu sou presença emocional e dimensiono fronteiras. Cada um de nós faz o trabalho de cinqüenta, impulsionados pelo desejo de continuação e levados pela saudade. Seguimos, como afirma Paulo Bonfim: “juntando os pedaços coloridos, reunimos mosaico da memória cultural cascudiana”.

Nosso fermento é perpetuar uma obra e um nome. O prato é saboroso, irresistível. E, se depender da nossa luta entusiasta, eterno. A concretização: abertura ao público em dezembro deste ano [Anna Maria Cascudo Barreto]

SINTONIA COM O COSMO

O instinto amoroso, ou capacidade de construir relacionamentos positivos é condicionante da estrutura emocional embasada na infância.

Trocando em miúdos: se aprovados amorosamente pelos familiares ou educadores, desenvolvemos tendência afetiva. O contrário também é real.

Maria Leopoldina Viana Freire – Madrinha Sinhá, como a chamava – era minha avó materna. Foi meu ícone, minha confidente, animadora, modelo. Exímia pianista, intérprete de Chopin e Schubert, fluente em francês, sua pouca escolaridade não escondia a inteligência vivaz. Amada e apaixonada pelo meu avô, juiz de Direito José Teotônio Freire, mãe amorosa dos seus oito filhos (Dahlia, minha mãe, era a caçula), amiga compreensiva, atual e atuante dos netos.

Visitava-a diariamente, vinda do Colégio, da Faculdade, do jornal, do Fórum. Simplificava meus problemas e dúvidas de menina, adolescente, jovem, com frase filosófica e genial: “Lembre que tudo passa!”

Guardava na sua etagére envidraçada o mais delicioso dos sapotis ou gostoso figo, colhido por ela no seu quintal, às vezes ainda bicado por um pássaro de excelente gosto... Oferecia o quitute em bandeja forrada com pano bordado em ponto-de-cruz, ou confeccionado em almofada de bilro.

Tal requinte valorizava a fruta, acompanhada de água fria de quartinha, ou suco. Ritual aguardado durante todo o dia, por mim.

Embalada pela cadeira de verniz com palhinha, ao seu lado, os horizontes desanuviavam, e o céu ficava de todas as cores.

Sou devedora da confiança ilimitada que Madrinha Sinhá e meu pai depositavam nos meus parcos méritos pessoais.

Mas a esperança é contagiosa, e a convicção de tal fé, também delegada pela minha mãe, a doce Dahlia, funcionaram como impulso decisivo na escolha funcional, logrando confiança decorrente das atividades e suas manifestações, mesmo diante da pouca idade e do fato de ser mulher.

Somos resultantes do encontro celular, do Cosmo, da genética, do ambiente, dos amigos, da sorte. Mas algo me segreda que a grande mágica que me tornou alegre, entusiasta, bem humorada e amorosa, trilhando esta vida tão difícil, foi à certeza do abraço e do colo deste triunvirato fiel, assim como a confiança no meu êxito, depositada pelos meus pais e avó.

Plantada a semente, floresce a árvore, hoje moradia de pássaros da recordação e frutos da emoção, fornecendo sombra para o amanhã. [Anna Maria Cascudo Barreto]

PROSA

“Será possível que centenas de milhões de pessoas sejam privadas da melhor das bênçãos, sem a qual a vida não tem sentido?”

Tolstói

Anna Kariênina

VERSO

“meu amor / recriará mil vezes / a metafísica simples / dos dias antigos / de minha avó”

Theo G. Alves

“instruções para recriar...”

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