quarta-feira, 30 de setembro de 2009

As ruas iluminadas, as casas parecendo sorrir


“As ruas estavam iluminadas, todas as casas pareciam sorrir.” – a descrição, simpática, saiu no jornal O Libertador, de Fortaleza. A reportagem, segundo Cascudo (em “Notas e documentos para a história de Mossoró”, Coleção Mossoroense, provavelmente 1953), foi escrita por Almino Afonso, nativo deste Ryo Grande mas com incursões pelo Ceará vizinho, e um dos nossos mais eméritos abolicionistas.

É um dos retratos 3x4 do dia em que Mossoró – sempre Mossoró – entra para a história como o 15o município brasileiro e o primeiro norte-rio-grandense a libertar seus escravos. (E depois inda tiram onda com a Cidade, Capital do Velho Oeste potyguar.)

Pois, pois.

Antes que eu esqueça, o dia, claro, vocês sabem, 30 de setembro – mas, o ano? 1883. Façam as contas: apenas 126 anos atrás. Quase nada.

Naquele ano eram apenas 86 escravos – em janeiro, 46 em junho e nenhum em setembro. E na sessão da Câmara Municipal, aberta no pingo do meio-dia o presidente da Sociedade Libertadora Mossoroense pergunta e ouve a resposta: na cidade e no município não há um só negro cativo.

O historiador Francisco Fausto de Souza cita alguns dos telegramas que a Câmara de Mossoró envia à Corte, no mesmo dia:

“Tudo aqui é homem, ninguém é mais cousa.”

“Aqui não há mais escravos.”

“Aqui não há mais senhores.”

E por aí vai.

Esse negócio de passar telegrama me fez lembrar o tal do twitter, que se acha grande coisa – mas olha lá os tempos verbais usados nas mensagens, século e um quarto atrás:

“A Câmara Municipal de Mossoró tem a honra de participar ao Club Abolicionista Paraíbano que nesta hora se está proclamando livres os escravos deste município.”

“Esta cidade e município foram neste momento declarados livres.”

“Mossoró livre o Almino está na tribuna.”

Cinco mil pessoas marcharam pelas ruas da cidade na manhã do dia 30, até o prédio da Cadeia Pública, onde, no primeiro andar, funcionava a Câmara. As ruas amanheceram “todas engalanadas de folhas de carnaubeiras, e bandeiras o que lhe dava o aspecto festivo”. Os discursos, como a festa em si, continuaram sem cessar, noite adentro. Na verdade, já tinham começado os mossoroenses a festejar desde o dia 28. Continuaram até o 7 de outubro.

Mais que um Carnatal. E por um motivo bem mais digno.

*

Estupro

A CNBB recolheu 1,3 milhão de assinaturas para o projeto que obriga os candidatos nas eleições apresentarem “ficha limpa” – quem foi condenado em primeira instância ou denunciado por crimes como improbidade administrativa, uso de mão-de-obra escrava e estupro, tá fora.

É um grande passo: antes, estavam todos dentro.

A proposta – e as assinaturas – foi entregue pelo Movimento de Combate a Corrupção Eleitoral ao presidente da Câmara dos Deputados ontem à tarde.

sustentável

O Praia Mar Hotel, em Ponta Negra, deve ser muito bom – muitos eventos acontecem por ali. Um dos próximos é a 2ª CIENPO, Feira Potiguar de Ciências, sob o tema “Desafios para o desenvolvimento sustentável”. Dias 19 e 20 de novembro.

Inscrições – para alunos e professores da rede estadual – até 10 de outubro, na Secretaria da Educação. E da Cultura.

Social

Keila Sena, mal – aliás, bem – acaba o Goiamum Audiovisual, embarca hoje pra Sampa, convidada do II Congresso de Cultura Ibero-Americana – Cultura e Transformação Social. De hoje a sábado.

Red bull

Paulo Laguardia vai filmar “Sebo Vermelho, o cantão de Abimael” – um dos quatro curtas selecionados pelo Prémio William Cobett de Cinema, da Fundação Zé Augusto.

Mil palavras

Embora a maioria esteja mais para morto de fome, ainda dá pra encontrar um escritor potyguar vivo – fotografe um e concorra a hum mil reais no concurso promovido pela Funcarte em vistas ao próximo Ene.

As inscrições acabam no Dia das Crianças.

Programa

Hoje saia de casa e dê um pulo no Mercado de Petrópolis (tarde/noite). Passe também pelo Belle de Jour e assista Luiz Gadelha interpretando Caetano Veloso (19h30).

Prosa

“Senhor, de aquesto fazer sem ti não temos poder, porém seja teu querer a nós fracos ajudar”

Ana Miranda

Desmundo

Verso

“‘Por que tão pálida?’ ele indaga. / – Porque eu o fiz beber tanta amargura / Que o deixei bêbado de mágoa.”

Anna Akhmátova

“Torci os dedos...”

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Ainda o Flipa

Uma coisa ninguém pode negar: se a máxima “falem mal, mas falem de mim” é válida, o Flipa foi um sucesso.

E a presença de “celebridades”, ainda que díspares, como Danuza Leão e Lobão mais que acertada – sob esse ponto de vista, ou “estratégia”, claro.

Afinal, foi especialmente com esses dois nomes que os intelectuais – de plantão ou não – chiaram. Os motivos alegados era a pouca relevância que poderiam trazer pra uma suposta “literatura de verdade”. (Vão me perdoando o excesso de aspas, mas são necessárias, quase imperiosas, diria, aliás, disse.)

Embora eu tenha sido um crítico declarado à efetiva participação de Danuza Leão ao evento (não antes, mas como aconteceu realmente a sua breve participação) e não seja nenhum fã incondicional de Lobão (que costuma disparar verdades e besteiras na mesma proporção e intensidade), nada tenho contra a escalação dessas figuras.

Querem discutir literatura seriamente? Vão discutir nas universidades, organizem grêmios literários como os de antão, se associem às Academias de Letras – não como existem atualmente, mas lutem, se for o caso, para modificá-las.

Não se pode esperar muito mais do que isso de um festival literário à beira-mar. É festa mesmo, é oba-oba mesmo. É blá-blá mesmo. Se entre um e outro se inserem alguns nomes relevantes pra tal “literatura”, ótimo. Há de se agradar gregos e troianos, não?

Por outro lado, infelizmente, as vacas de presépio querem que todos mujam do mesmo jeitinho (acho que é assim a conjugação do verbo mugir, não?). Na Cidade Presépio é assim: ou se elogia 100% ou não se aceita nenhuma crítica. E assim vamos pastando – vírgula: vamos não; vocês podem até ir, eu não. Vou contracorrente, mesmo.

Teve leitor que elogiou o que escrevi ontem. Teve leitor que não. Me acusou de nem sei o quê. Curiosamente os elogios vieram de um nome conhecido, enquanto as críticas de um apócrifo. Como tem apócrifos por estas ribeyras!

Daí que cedo espaço a um não-apócrifo, que assina (aliás, como o sobrescrito) com nome e sobrenome: o professor-doutor João da Mata Costa, que comenta o “caso” Cíntia-Book Shop da Pipa.

Antes de ceder a palavra a João da Mata, um breve comentário: há um ano atrás eu anunciava neste espaço (coluna de 8 de agosto de 2008), nem sei se em primeira mão ou não (e a única diferença seria pro meu suposto ego) que até que enfim a Pipa teria um evento cultural, à época intitulado “Pipa Literária”. E, numa das notas, intitulada “BOOKSHOP”:

“Vale o registro que na praia nunca faltou livros nem leitores, graças aos esforços de Cíntia, proprietária da mais que famosa “Bookshop”, misto de biblioteca comunitária, locadora de livros e centro cultural – e bar que ninguém é de ferro. Merece uma estátua em praça pública. Na Pipa, claro.”

Aliás, existem outros detalhes do “caso” Cíntia-Book Shop – por enquanto deixo João da Mata Costa falar. O texto a seguir é dele:

O Book-Shop de Pipa

“Manhã de sábado-primavera a praia, Pipa. Acorda. Escritores convidados pela Flipa e acompanhantes aproveitam para caminhar em suas ruas, areias e escadas. O poeta no hotel ler para palestrar. Vejo subindo uma escada – vagarosamente - o escritor Ronaldo Correa de Brito. Assim também como um voyeur surpreendo as passadas lentas, claro - estamos na praia – envoltas numa cabeleira branca do escritor Raimundo Carrero. Da Danusa Leão só escuto ecos. A Flipa é uma festa, principalmente para os convidados e alguns jornalistas.

“O sebo pela manhã está fechado. Não tem hora certa para abrir, sou informado. Após um bom papo diverso genérico sobre livros no sebo vermelho volto ao sebo, digo book-shop internacional como é a Pipa. A Dona Cíntia está lendo no seu sofá- garçonniere-morada e oásis. Já me imagino sem nada para ler numa praia e encontro um sebo, onde posso emprestar, trocar e alugar livros. São muitos livros nos mais diferentes idiomas. Livros em Sueco, Alemão, Inglês, Japonês, Italiano e Português. Muitos ainda cobertos por uma fuligem de um fogo recente. Todos os livros foram doados, informa a simpática Cíntia. Muitos não estão à venda. Doando um livro você fica com um crédito de muitas leituras. Um oásis para uma praia – cidade que carece de cultura, para além das belas mulheres desfilando de poucas roupas em suas ruas.

“A Cíntia é a atração principal do sebo. Muito viajada nas cidades, vida e livros. Mora no sebo e não paga em muitos restaurantes. Dorme numa rede como gosto. Um livro sobre o Maranhão não está à venda. Um outro organizado pelo Correa Lago também não. Compro o Terror na Alcova do Serge Bramly, baseado no Marques de Sade. E História do Amor no Brasil da Mary Del Priore. A pipa é mesmo a praia dos amores. No teto da pequena loja dos livros adornada pelos retratos de muitos escritores, tem uma pintura mal-feita da Origem do Mundo do Courbet. Uma bela gata se enrosca nas minhas pernas. Cíntia está feliz com a nossa visita. As pessoas sentem falta em Pipa de cultura e de livros, fico sabendo ao conversar com Cíntia e com outras pessoas. Um Italiano que mora na Pipa há quatro anos gostou da nossa conversa do Sebo Vermelho e ficou. Sua filha de dez anos foi mandada embora. Aquilo não é lugar para criar filhos. Um outro Italiano faz o registro de quem tem o que dizer sobre a Pipa antiga. D. Inácio é convidado.

“Nos bares muitos menores. Pouca polícia e muita droga.

Hora de partir, diz os amigos Homero e D. Inácio. Já é estrada... É Belo o pôr-do-sol na lagoa Groairas. Pipa precisa de mais cultura e agradece ao sebo de Cíntia. Até a volta!...” [João da Mata Costa]

Prosa

“eu pobre mulher te peço com lágrimas prostrada, que não arranques tua força contra minha fraqueza porque sou mulher que não sei me defender”

Ana Miranda

Desmundo

Verso

“Não me importa o exército das odes, / Nem o jogo torneado da elegia.”

Anna Akhmátova

“Os mistérios do ofício”

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Na praia, sem Danuza


Sei não. Mas não sei mesmo. A 1a Flipa (ok, o 1o Flipa) vai entrar para a micro-história cultural deste Ryo Grande como o dia em que a locomotiva Danuza Leão botou os pés na Pipa mas não na areia da praia nem na água do mar: foi-se embora num vapt-vupt que me soou como uma espécie de “me incluam fora dessa”. Mas alegou as escusas de um gato doente em casa. Disse ter horror a político. Mas posou para as fotos com a governadora, o presidente da Assembleia e o prefeito de Tibau do Sul. E falou. Falou muito. Mas não disse nada.

E continuou falando. Quase sempre ao redor do seu umbigo que, depois de tantas plásticas, deve estar bem próximo ao seu cérebro. (Uma indelicadeza da parte deste sobrescrito, sei, mas me incluam fora do altar da notre dame de Itaguaçu.)

Pois. Como fala a Danuza. Fala mais que o homem da cobra. Sim, senhoras, senhoritas, senhores, a mulher sabe vender seu peixe. E a platéia adora comprar o peixe da Danuza.

Danuza escrevendo é salmão. Falando é um peixe qualquer, seco, insosso, sem gosto.

Levem um livro de Danuza pra cama, mas não levem a própria. A não ser que vocês queiram realmente dormir.

Fisicamente, Danuza Leão é uma Marília Gabriela que deu errado. Oralmente, também.

Danuza é como a Pipa: antigamente era bem melhor.

A plebe finge surpreender-se que Danuza não lê livros. Uma besteira, já que não escreve como Proust, nem como Virgilio, nem mesmo como um Chico Buarque de saias, embora os mesmos olhos verdes. O segredo de Danuza Leão é Estilo, com “e” maiúsculo. Isso a moça tem. Ao escrever, simples, direta, irônica, e o seu próprio estilo, digamos, de ser e estar no mundo. Claro que um mundo todinho fashion, glamoroso etc.

Ninguém precisa realmente ler nada para escrever como Danuza. Nem mesmo o Almanaque Capivari. Nem mesmo a Caras. Me desdigo: ler a Caras pode ser prejudicial a qualquer candidato a escritor. Danuza Leão não precisa ler a Caras. Danuza Leão é a Caras. Em carne, osso e botox.

E, pra que não reste dúvida, Danuza escreve, sim, muito bem.

Ah! mas finge preferir jeans e tênis – e esqueceu o jeans e o tênis em casa num evento à beira-mar. Talvez ela prefira usar o casual chic na Côte d’Azur. Lembrei logo de Jane Birkin num Programa do Jô recente: estava mesmo de jeans e camiseta e tênis, os cabelos despenteados, nenhuma plástica, ao menos aparente, quase sem maquiagem.

Quando eu vi Danuza no Flipa me deu uma saudade danada de Jane Birkin.

Ah! mas a leoa finge não se lembrar quantos livros escreveu.

Quando eu ouvi Danuza no Flipa me deu uma saudade danada dos livros que li. Inclusive um ou dois dela.

Ti-ti-ti

Mas, deixemos a Danuza pra lá, cuidando do seu gato dodói. Alguém tem notícia do gato da Danuza? Vou buscar nos blogs locais e no twitter. Alguém há de me dar notícia do bichano. (Produção do Flipa: convidem o gato da Danuza para ano vindouro – quem sabe ela demora mais.)

Então, o evento só deu Danuza?

Só, babies.

Não. Teve outras coisinhas. Woden Madruga, por exemplo, foi visto na Broadway – a rua principal da Pipa – cercado de mulheres. Isso sim é notícia. Nunca vi tanta mulher ao redor de um homem só. E isso depois de encarar uma que virou a cabeça de três jornalistas. Um herói, esse Woden.

Bueno. Que mais? Ah, mal desembarquei na praia-mais-badalada-e-literária-do-litoral-potyguar, soube que a turma da Fundação Zé Augusto estacionou o carro na ladeira e foi buscar informações. Quando voltaram, acharam, não o canto, mas o carro mais limpo: a bandidagem em Pipa não descansa. A Fundação, claro, também não. Aliás, estava rolando um abaixo-assinado cobrando mais segurança. O italiano Jack, um dos antigos da praia, disse que foi só mudar as datas do mesmo texto de 2005 e rolar a lista – ou seja, quatro anos e a insegurança continua. Fazer o quê? Fazer o que Jack faz: bota notebook, câmera digital, celular, na mochila e sempre que sai de casa leva tudo para os ladrões nada levarem. (Empreendedores: uma empresa de cerca elétrica é um grande investimento na praia, empresa de vigilância particular, também.)

Sobre o caso “assalto à Fundação”, Abimael Silva (com stand armado no local) não pestanejou: “Se botarem alguém da Fundação cuidando de um cágado (atenção para a proparoxítona), pode ficar certo: vão roubar o cágado.”

O exemplo animal não foi à toa: Abimael revela que a região é pródiga em quelônios. E o faz com conhecimento de causa: o sebista viveu ali, em Tibau do Sul, entre os anos 60 e 70. Criança, fazia o percurso, beira-mar, Tibau-Pipa – nu em pêlo.

Com essa notícia eu me despeço e até o ano que vem, com mais um abaixo-assinado deste sobrescrito.

Prosa

“Ora, hei, hei, não é melhor morrer a ferro que viver com tantas cautelas?”

Ana Miranda

Desmundo

Verso

“Que outros me louvem – seu louvor é cinzas. / Que me reproves – teu rancor, alvíssaras.”

Anna Akhmátova

“Dístico”

Adivinhe quem vem para o café-da-manhã: Olímpio Maciel

Cultura 260909


Dr. Olimpio Maciel – vocês hão de recordar – volta para este café-da-manhã no sábado subseqüente (há sete dias escrevia sobre o embaixador Fernando Abbott Galvão). Se é preciso justificar a repetição – coisa desnecessária pela capacidade de escrever e retratar perfis que caracteriza o presidente do Instituto Pró-Memória de Macaíba – hoje, 26 de setembro, é aniversário de nascimento de Darce Freire Dantas de Araújo, que, além de ser, ter sido, quem Dr. Olímpio bem soube descrever no texto que segue, é tio materno e padrinho do sobrescrito. Em tempos de famílias que não sabem a verdadeira importância de ser família, me permitam essa espécie de nepotismo quase ao pé da letra – a palavra tem origem no latim, e referia-se aos sobrinhos do papa.

Presença de Darce Freire

Três gerações me ligam sentimentalmente a Darce Freire Dantas de Araújo: a do meu avô Olympio Jorge Maciel, amigo do avô dele; a do meu pai José Jorge Maciel, amigo do pai dele; e a minha, pois ele foi uma pessoa que conheci desde a minha tenra infância, ele já adulto, nos sítios, solares e povoados de Macaíba. O fato de sermos ambos profissionais ligados à área de saúde – ele odontólogo, eu médico – foi mais um vínculo que reforçou os liames pré-existentes entre nós. E estou seguro que nos esmeramos ao máximo, ao longo de todos estes anos, para honrar essa herança virtuosa gestada na alma e no coração de nossas famílias.

Seu avô, coronel Maurício Freire, foi um incontestável chefe político do nosso município; seu pai, Estevam Alves de Araújo, herdeiro dessa herança, primou por preservá-la da melhor forma. Esse esforço foi cumulado de êxito ao se eleger prefeito de Macaíba, realizando um sonho que ele reconhecia como parte do legado que lhe transmitiu seu pai.

Por diversas razões, Darce Freire abnegou esse pendor para a política, tão caro aos seus antepassados. Estudante do Colégio Santo Antônio, recebeu uma formação liberal, propiciada pelos irmãos maristas, e isso o redirecionou para abraçar duas profissões liberais: odontologia e contabilidade. Para concretizar a primeira, ingressou na Faculdade de Medicina da Universidade do Recife, PE, de onde só voltou em 1951, trazendo consigo o canudo que simbolizaria sua profissão daquele momento em diante.

O título de contador teve uma história efêmera: ele o conquistou seis anos antes, no Instituto de Comércio do Colégio Santo Antônio, quando ainda hesitava entre que profissão seguir. Ao inscrever-se na universidade pernambucana, ele o deixaria para trás, como uma entre outras veleidades juvenis.

De fato, a odontologia exerceu tamanho fascínio sobre Darce Freire que este não hesitou mais em dedicar-lhe toda a sua atenção. A sucessão de cursos de aperfeiçoamento e de pós-graduação que se seguiram à sua graduação na academia pernambucana veio ratificar o muito que essa profissão passara a significar para ele. “Aperfeiçoar-se sempre” era o princípio que o impelia a trabalhar em prol da sua carreira de eleição. Adquiriu expressivos conhecimentos na prática e na pesquisa profissional. E isso naturalmente o levou a dar um novo passo rumo à excelência profissional: galgou o posto de Professor Catedrático em Fisiologia, da Faculdade de Odontologia do Rio Grande do Norte, fato ocorrido em 1967. O ciclo iniciado com a prática odontológica e seguido pela docência acadêmica finalmente se fechou, coroando o grande investimento que Darce Freire fez em termos pessoais e profissionais na sua vida adulta. Seus filhos Marcos, Stefano e Carlos Alberto assimilaram esse exemplo e seguiram carreiras da área da saúde. Os dois primeiros, a odontologia; o terceiro, a medicina.

Essa biografia tão rica, graças à inconfundível força de vontade que cercava tudo que Darce Freire fazia, apresenta traços que parecem destoar na personalidade do profissional pragmático que ele sempre fez questão de promover de si. Na verdade, porém, são facetas que surpreendem apenas aqueles que o conheceram superficialmente. Quem o conhecesse de perto e de longe, como nós, as entendia perfeitamente. Refiro-me ao fato de Darce Freire cultivar orquídeas e criar canários, praticar a fotografia como amador, amar as caminhadas e se mostrar sempre curioso pelas novas invenções. Algum desses elementos conflita com outros traços de sua personalidade? Cremos que não. Eram apenas manifestações de uma mente aberta às coisas do mundo da vida. Sobretudo as coisas interessantes, estimulantes, curiosas.

E como esquecer as estórias que ele gostava de contar com tanta graça dos tempos de antanho: época da guerra em Natal, com as inúmeras transformações socioeconômicas que daí resultaram, ou a ainda mais recuada época de sua infância em Macaíba? Porque Darce Freire pôs tudo de si em cada acontecimento que viveu, testemunhou ou compartilhou. E narrou.

Homens assim ficam cativos da memória coletiva dos lugares por onde passaram. A cidade de Natal sabe o quanto deve a Darce Freire. É hora, então, de reconhecê-lo como um dos seus benfeitores. Não faltará quem lhe aponte evidências nesse sentido. [Olímpio Maciel]

Prosa

“era o guia, era a tábua solene, era a lei que se incendiava”

Raduan Nassar

Lavoura arcaica

Verso

“Quem somos nós?”

Fernando Monteiro

“Vi uma foto de...”

Um balaio de notas culturais, nacionais e internacionais

Cultura 250909


PNC-PEC

Considerada essencial para a estruturação do Plano Nacional de Cultura (PNC), a Proposta de Emenda à Constituição 150/2003 foi aprovada ant’ontem na Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados – Brasília, claro.

Segundo esta PEC, a União deve destinar 2% dos recursos do orçamento para a área da cultura e preservação do patrimônio (antes era de menos de 1%).

Já estados e municípios devem dispor de 1,5% e 1%, respectivamente.

O toque irônico ficou para a sugestão (aprovada) do baiano Zezéu Ribeiro: substituir, na PEC, o termo “cultura nacional” por apenas “cultura” – o raciocínio é de que os burrocratas poderiam não mais bancar concertos de música clássica, sob a alegação de que não fazem parte da tal “cultura nacional”.

Vira-latas

Enquanto o ministro Juca Ferreira explicou, em nota oficial, o significado da aprovação: “Nós brasileiros enfim surgiremos como pessoas e nação que se cultivam, que abandonam definitivamente o complexo de vira-latas apontado por Nelson Rodrigues, para, enfim, assumir-se no mundo como seres afetos à cultura – a cultura que nos traduz, explica, alimenta e posiciona no mundo.”

Paris, Texas

Quer ouvir os clássicos do country rock americano e os clássicos do pop francês na mesma noite?

Aproveite, a noite é essa: logo mais, 22h30, no Budda Pub, ingressos a R$ 15, acontece o “Dia da França no Budda”, alusão ao Ano da França no Brasil. A abertura é bem ianque (com sotaque potyguar): a banda Kentucky é influenciada especialmente pelos Everly Brothers, mas ataca também de Simon & Garfunkel, Elvis Presley e Birds, entre outros.

Já a Bande Ciné tampouco é francesa: vêem, os cinco rapazes, de Pernambuco, e fazem as clássicas “releituras” de clássicos da música pop francesa, anos 60 e 70 – tipo Brigitte Bardot, Dalida, France Gall e – olha o respeito! – Serge Gainsbourg.

Time

Na escalação da Kentucky: Guilherme Bruno (vocal), Luiz Felipe (vocal e violão), Rafael Prado (guitarra), Luis Eduardo (baixo), Flávio Alves-Dado (bateria). A Cité tem a voz feminina de Tatiana Monteiro, a guitarra de Filipe Barros, o baixo de Bruno Vitorino, o trompete de Demóstenes e Thiago Suruagy na bateria.

Fumo

Segurem a onda, não bebam demais que amanhã vocês têm que ficar com o pescoço inteiraço: a Esquadrilha da Fumaça Francesa faz show nos céus desta Cité, Capital Espacial do Brésil e Ar mais puro das Américas.

pium

Mais uma edição do Café com Letras (a 21ª): artes, artesanato, brechó, recitais poéticos, sebo – e, claro, café e petiscos. Pelos lados musicais, o show de hoje é por conta de Ismael Alves.

No Instituto Pium de Cultura, Rota do Sol, próximo à feira de frutas, 20h. De grátis.

cunhãs

Hoje, 22h, na carona do Flipa, a Calígula (pizzaria, rua principal) recebe a exposição do artista visual amazonense Zéca Nazaré. Em paralelo, lançamento da história em quadrinhos “Os anseios das cunhãs”, de Regina Melo, e show do Toca Trio Jazz.

Fim

Estréia hoje, com um ano de atraso, “Apenas o fim” (2008), de Matheu Souza, bastante comentado nos sítios brazucas sobre cinema. Pelo que eu me lembro, foi filmado todo na PUC, Guanabara, e é uma espécie de “Antes do amanhecer” (com Ethan Hawke e Julie Delpy, safra 95) nacional. Tipo assim, “D.A.R.”, ou discutindo a relação. Amorosa, claro.

No Moviecom.

Começo

Estréia, também, e também com um ano de atraso, “Juventude” (2008), de Domingos de Oliveira (que dirigiu, em 1966, “Todas as mulheres do mundo”, com Leila Diniz). As críticas são pra lá de positivas para essa história sobre o reencontro de três amigos meio século depois. Existirão amizades assim daqui a 50 anos?

Meio

Enquanto isso, segue “À deriva”, de Heitor Dhalia, história de um casamento em crise sob a ótica da filha adolescente. Não se recomenda, portanto, assistir os três filmes num só dia – a não ser que você queira afundar na depressão.

Sempre no Moviecom.

Pra cima

Em vez, visão mais simpática (e não necessariamente fantasiosa) de um longo relacionamento homem-mulher pode ser visto na animação, “Up – altas aventuras”: a história do casal que se conhece na infância e vive junto até a velhice é não apenas o mote para todo o filme, mas uma espécie de curta dentro do filme. Emocionante.

No Cinemark e no Moviecom.

Tuitermania

É impressão do sobrescrito (nem com tanta má vontade assim) ou o Twitter já mostra sinais de cansaço? Ao menos, por estas ribeyras, os tuiteiros nativos já não se mostram tão sedentos ao pote virtual. Quem almoça com quem e onde começa a ser substituído pela passagem de um SAMU ou outro – carregando quem e para aonde não se sabe, mas, como na música de Chico, espera-se na janela para ver a ambulância passar.

Reis

Artistas visuais, produtores culturais, secretários municipais e estaduais de cultura, enfim, leigos interessados, não podem deixar de ler “A experiência Rex: ‘éramos o time do Rei’”, da jornalista e historiadora Fernanda Lopes, a breve mas intensa história do Grupo Rex, que entre 66 e 67 publicaram um jornal-boletim, montaram uma galeria de artes e sacudiram o cenário (e o mercado) de artes de Sampa, e, por conseguinte, do Brazil.

Prosa

“não tenho culpa deste sol florido, desta chama alucinada, não tenho culpa do meu delírio”

Raduan Nassar

Lavoura arcaica

Verso

“tudo fazia crer / que algo andou errado, muito errado, / profundamente errado”

Fernando Monteiro

“Vi uma foto de...”

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Na Pipa

Começa então hoje a tal da Flipa – que eu insisto em tratar como se fêmea fosse, mas, não, não é, tendo em vista que é sigla do (de+o) Festival Literário da Pipa.

Longe de ser uma simples questão de gêneros, o evento vai ser bom – até pros neobanhistas botarem os pés no chão e nas areias da praia “mais badalada” deste Ryo Grande e perceberem que o buraco é mais embaixo. Quem vive na Pipa (ou “em” Pipa?!) sabe que o caos ali é vigente, com um trânsito pra lá de confuso, com assaltos, roubos, furtos, as chuvas comendo o barro de um anel viário que não se asfalta e o crack comendo solto os neurônios da rapaziada e o que resta do Paraíso.

Em certos locais, meninos e meninas que me lêem, a Pipa mais parece uma favela cenográfica de “Cidade de Deus”, o filme.

Normalmente, só quando escalpelam um vivente com passaporte gringo é que a mídia se recorda de noticiar e tal.

Deviam então, moradores e comerciantes, promoverem uma ação radical: “Mate um gringo por dia” – pra ver se o assunto merece um pouquinho mais de respeito e consideração, se começam a tratar a pão-de-ló a galinha dos ovos de ouro deste galinheiro em forma de elefante, se as autoridades começam a trabalhar de verdade ou não apenas posar pras fotos turísticas.

Poderiam, ainda, seqüestrar a Danuza Leão. Não sei se tem, ainda, quem pague o resgate – mas que ia chamar a atenção da mídia, ah, isso ia.

Mas, enfim.

Nada de novo.

Aqui, ali, acolá.

Dia desses, dei uma volta em Ponta Negra. Um desmantelo. Poucos turistas – a maioria suspeitos, ou, os suspeitos de sempre, como em “Casablanca”, o filme. Aliás, a orla de Ponta Negra está mais para Marrakesh do que para Aruba (melhor: parece uma Las Vegas paraguaya, à beira-mar).

Dia desses, também, fui tomar café-da-manhã no Centro – histórico, histérico. Tem uma padaria ótima, ali na João Pessoa, a City Pão. O nome, também, fantástico. O pão não é excepcional, nem o café, nem a tapioca, nem o suco de laranja, nem o queijo de coalho, nem nada, enfim – mas por que então é ótima? Porque o atendimento, senhoras, senhores, é ágil, rápido e eficiente. Os caras sabem que precisam vender, naquela uma, duas horas em que o movimento é mais intenso. E perguntam logo o que você quer, e como quer, e sugerem, e correm pra lá e pra cá, e o cliente não precisa nem pestanejar que os atendentes já se perfilam à mesa, solícitos, caneta e pedido na mão.

Aí eu fico pensando nesses restaurantes pretensamente de luxo [sic] do Plano Palumbo [sic] e arredores.

Aí eu penso nas nossas muitas secretarias, estaduais e municipais.

Essa turma devia fazer um estágio na City Pão, pra entender como se trata o cliente, o consumidor, o cidadão pagador de impostos, o eleitor das bienais eleitoreiras em que se transformou essa Nação.

AÍ, VARÊIA

Mas eu me disperso, divago, vareio. Eu falei da City Pão porque, dia desses, já falei, ao sair de lá, quis fumar um cigarrinho e apreciar o Centro se bulindo nas primeiras horas da jornada. Tem uma sombra quase em frente à padaria, dois banquinhos como os de praça. Foi só me aproximar dos tais banquinhos pra ver o tamanho do estrago: mal pintados, mal cuidados, a madeira quebrando aqui e ali, umas tábuas amarradas com arame, a ferrugem corroendo a estrutura de ferro.

Contrariando os bons conselhos de minha vereadora preferida – Júlia Arruda, claro – acendi o cigarro e pensei, enquanto fumava e tragava, que não sou de fumar e não tragar:

– Como é que querem construir um estádio de milhões e bilhões de dinheiro se nem de um simples banco de praça sabem cuidar?

Mas, reconheço, estou pensando demais, e pensando morreu um burro, diz o ditado.

E eu tava falando da Pipa, né? e fui bater na João Pessoa, Cidade Alta.

Longe, pacas.

E a Flipa, o Flipa, começa hoje. Talvez eu vá, e será que vocês me entendem se eu disser que vou mais por conta de Woden Madruga do que por causa de Danuza Leão? Mas é verdade. Mesmo que seja mentira.

*

ar-condicionar

A artista multimídia Civone Medeiros gostou das minhas críticas ao festival de tendas climatizadas que se abateu – faz tempo – sobre este Ryo Grande:

“Ora bolas, uma bela e ampla tenda, com vistas e aberturas para o entorno, a aldeia, a brisa e o mar, mais a presença morosa de ventos atlânticos, por que se ar-condicionar numa urbanidade pequeno-grande-burguesa? Tendas fechadas em plena Pipa? É duro até de imaginar! No mais, bom mesmo ter por este Ryo Grande cópias de eventos que enriquecem e aproximam, escritos, escritores, leitores... Sempre bom!”

Prosa

“é preciso começar pela verdade e terminar do mesmo modo”

Raduan Nassar

Lavoura arcaica

Verso

“Façamos o jogo dos sete erros ao contrário: / eu digo onde vocês erram.”

Fernando Monteiro

“Vi uma foto de...”