terça-feira, 18 de agosto de 2009

O twitter e a rainha

Cultura 170809


Alex Medeiros fez uma aposta que conseguiria influenciar no suposto milagre que seria este sobrescrito aderir ao tal do twitter.

Vai perder.

Como descobri que não preciso me inscrever no microblog pra fuçar a vida alheia, assim vou levando. Fuçar é o termo correto e uma tuiteira já me chamou de voyeur do twitter. Como assim? Só porque não faço parte do clube é voyeurismo eu fazer o que todos estão fazendo apenas porque eles (vocês) têm a carteirinha de sócio e eu não?

Aliás, às vezes os tuiteiros me lembram aquele personagem folclórico, universal, o sujeito que, endossando uma capa, perfila-se diante de alguém – um casal incauto, uma mulher solitária, uma criança – e, abrindo a capa, exibe-se, pelo puro prazer de exibir-se.

Então, imagino a cena de uma inteira cidade, país, continente, planeta, se exibindo a vincenda, parando uns aos outros em meio a rua e abrindo suas capas. Todos muito alegres e satisfeitos. Uma imensa suruba virtual, um strip-tease coletivo. E uns poucos chatos por fora, na marginal da moda, como alguém que vai à praia e não tira o sapato, e insiste em ficar com a camisa.

Sign ‘o’ the times

Mas, desconfio que os 140 caracteres sejam uma espécie de zeitgeist dos dias correntes. Um tanto quanto pobres, verdade, se è vero que o atual espírito do tempo pode ser resumido dentro desse limite numérico.

Ou não.

Afinal, quaisquer evento, acontecimento, notícia, podem ser resumidos numa única frase, que ilustra, define, exemplifica, condensa, todo o resto.

Semana que passou, por exemplo, duas foram as frases mais citadas – que sintetizam por sua vez a própria semana.

A governadora Wilma: “Há homens que, quando não podem mandar, tentam emparedar.”

A ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira: “Na minha biografia não existe mentira.”

Ambas, se postadas juntas, não chegam aos cem caracteres, incluindo os espaços. Mas foram ditas em separado e em ocasiões diferentes, e mesmo Dona Wilma, a única das duas adepta ao twitter, não postou a sua – que na verdade é parte de um discurso, literalmente, maior.

Como o twitter, também é, reconheço, parte de um fenômeno ainda maior, o da democratização, não exatamente da informação, mas de castas antes separadas: os jornalistas-tuiteiros se aproximam do status das celebridades, o cidadão comum-tuiteiro se sente o próprio jornalista, e os políticos-tuiteiros e celebridades-tuiteiras descem ao nível do povo, seguindo e sendo seguidos por anônimos que se crêem menos anônimos ao fazer parte da imensa comunidade.

GARIMPO

A propósito, cascavilhar no twitter alheio é uma mina inesgotável. Tome por exemplo, meio ao acaso, quem a governadora segue na micro-rede – chama logo atenção um deles: o twitter da Scottsdale Healthcare, uma rede de hospitais americana, mais especificamente a seção de oferta de empregos. Estaria a governadora buscando trabalhar nos EUA após 2010? Mas ela nem é médica. Estaria doente? Estaria buscando ajuda e fugir daqueles que a desejam emparedada, como o gato de Edgar Allan Poe? Nada disso, meninos – desconfio que a governadora chegou ali por engano: é que a Scottsdale Healthcare está sempre procurando novos funcionários, e em inglês a sigla RN é usada para “Registered Nurse”, ou enfermeira com registro profissional.

Ou seja, na falta do que fazer dá pra se divertir seguindo quem segue quem, e descobrir – outro exemplo – que a rainha Rania, da Jordânia, é tuiteira de carteirinha.

Tão lindinha a rainha é que quase me vem de cometer a gafe e chamá-la de princesa. Mas Rania é paciente e compreensiva com os plebeus – tem mais de 600 mil seguidores mundo afora ou twitter adentro.

Semana passada, enquanto as plebéias Lina e Dilma quase se engalfinhavam, ao menos virtualmente, e a governadora do RN (não confundir com a Registered Nurse) reclamava de mais um tijolo na parede eleitoral, Rania, a rainha, navegava pelos mares da Itália, nesse circuito todo pompa & glamour – Ilha de Elba, Porto Cervo, Portofino – antes de partir para a não menos chic Côte d’Azur.

Educação

Mas, como um Carla Bruni ainda mais sofisticada, Rania não se sente cômoda apenas em chacoalhar as jóias da Coroa – e as suas tuitadas freqüentemente clamam por mais educação. “Dê a uma garota uma hora a mais na escola que ela pode aumentar sua futura renda em 20%”, postou no início do mês. Sobre as meninas africanas, chama a atenção da associação entre as faltas na escola com a ausência dos serviços básicos de abastecimento d’água: “40 mil horas/ano gastas para pegar água. Isso reduz o tempo das garotas na escola.”

E, diante da ilha onde Napoleão foi exilado, não esquece sua própria história e sua crença num mundo melhor através da educação: “se eu não tivesse tido acesso à educação a vida poderia ter me garantido o privilégio de vivenciar essa adorável experiência?”, questionou a moça, que nasceu numa família palestina e se mudou para o Kuwait e o Egito em busca de melhores condições de vida, conseguindo estudar na American University do Cairo e na Suíça. Até conhecer, literalmente, o príncipe encantado.

Em verdade, em verdade, esse tal twitter, como vocês podem ver, pode ser uma viagem.

PROSA

“Aliás, conheço mal também minhas dores. Isso deve ser porque não sou apenas dor.”

Samuel Beckett

Primeiro Amor

VERSO

“E a impaciência está sobre as águas, da palavra que tarda em nossas bocas.”

Saint-John Perse

“Marcas marinhas”

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