terça-feira, 14 de julho de 2009

Se cuida


Sabe aquele famoso augúrio, recomendação, conselho, que normalmente encerra um pé-na-bunda e o início (ou intensificação) de uma dor-de-cotovelo? Pois: a artista francesa Sophie Calle o seguiu ao pé da letra e juntou o útil ao agradável, quer dizer, o inevitável ao desagradável, numa exposição que segue até o sintomático 7 de setembro, dia da independência – verdamarela, certo, mas que pode ser adaptada à vida pessoal de cada um.

O título da mostra (“Cuide de Você”) é resposta e mote para o trabalho, que consiste em mais de cem interpretações feitas por diferentes mulheres sobre uma carta recebida pela artista na qual seu namorado rompia o relacionamento com ela.

Por aqui, na Capitania das Artes? Por aqui, na Fundação Zé Augusto? Por aqui, no NAC da UFRN? Não, não, e não: no Sesc Pompéia, Sampa.

Ou seja: se lhe interessou o argumento, pegue um vôo para a Paulicéia Desvairada para conferir os desvarios dessa artista e desse tipo de arte, que muita gente ainda considera puro engodo, embromação.

A verdade é que a moça (nem tão moça assim) tem a mania de se expor, misturando sua própria vida ao fazer artístico. Pelo que entendi, suas obras incluem peripécias como seguir um estranho por meses seguidos; enviar uma vez por ano uma peça de vestuário para um possível pretendente que ela achava mal-vestido (explicando seu plano: “No dia em que ele estiver completamente vestido com o que escolhi, gostaria de reencontrá-lo”); e até desistir, definitivamente, da idéia de fazer uma plástica no nariz porque na véspera da cirurgia seu médico se mata.

A vida-arte de Calle já influenciou, inclusive, a ficção literária: uma personagem do livro “Leviatã”, de Paul Auster, foi assumidamente inspirado na francesa, que, multimídia, escreveu também livros, como o “Histórias reais”, lançado recentemente nos Tristes Trópicos na última feira de Paraty.

A idéia do “Cuide de você” surgiu quando o tal namorado (um escritor francês) rompe o relacionamento com a artista através de um email – Sophie sofre, mas não se faz de rogada, aliás, faz, metaforicamente, do limão uma limonada: com a desculpa de compartilhar e entender o que estava se passando encaminha o email para 107 mulheres, escolhidas a dedo por suas diferentes profissões e reúne tudo numa exposição (que rola o mundo já há dois anos).

Enfim, faz lembrar aquela resposta de não me lembro qual artista a um ingênuo interlocutor que lhe perguntou algo tipo “se eu fizer tal coisa absurda e disser que é arte, é arte?” – que o tal artista, sabidinho respondeu: “Se você fizer, não. Mas se eu fizer vai ser arte.”

Pensando nisso, retomo aqui um email que uma amiga enviou para seu ex – a amiga não é poeta, não se pretende poeta, mas escreve como (e como não é artista, prefere o anonimato) – confiram: “pensei muito em você agora seu merda / agorinha quando tava voltando pra casa / tomei sorvete de nocciola / e bebi um cosmopolitan / é esse calor, esse ar sufocante / alguém levou o vento embora pra bem longe / depois, pensei / dessa vez não consegui, ou não quis, sei lá, evitar / passei um dia tão feliz, tão eufórica / devia ter adivinhado como iria acabar / sabe aquela historia, quando você ri muito é porque vai ter uma raiva? / pois / torço que passe logo / mas / nesse momento / queria muito suas mãos em mim”.

*

duchamp

A propósito, o artista que deu a resposta sobre o reconhecimento de uma obra de arte depender de sua autoria foi o pernambucano Paulo Bruscky – eu pensava que poderia ser Marcel Duchamp, mas Afonso Martins me esclareceu a dúvida: “Foi um Duchamp do Capibaribe – Bruscky discutindo com um gendarme pernambucano, anos 70”.

CAICóLAND

Ailton Medeiros deve ter adorado a repercussão do nome do CD de Dodora Cardoso, “Caicó também está no mapa do Brasil”, que a cantora lança amanhã no TAM. Oito da noite, R$ 20 o ingresso inteiro.

VIVO

Enquanto hoje, no mesmo TAM, Jair Rodrigues se apresenta como atração principal do projeto Seis & Meia. A “atração local” é Liz Nôga. Jair Rodrigues, me informa o release, está com 63 anos e já lançou 41 discos. Se o cantor não tivesse vindo a esta Capital, eu juro, não saberia dizer se estava vivo ou morto.

alienado

“Quando, em 1974, na UFRN, eu defendia e dizia que Roberto Carlos era o maior artista do Brasil, muita gente me chamava de imbecil. E quando criei seu fã-clube em Natal, as pessoas diziam que eu era alienado. Pois é, nada como um dia atrás do outro pra comprovar que eu tinha razão.” – José Normando Bezerra, presidente do fã-clube Além do Horizonte.

PROSA

“Ocorreram mais coisas neste povoado nos últimos dias do que em todo o resto de sua história.”

Bioy Casares

Histórias fantásticas

VERSO

“belo casal! / ele não é o bem / eu não sou o mal”

Diva Cunha

“eu tão entupida...”

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