É depois de um tempo que começa a doer de verdade.
Não que antes não fosse dor.
Mas era dor de percurso lógico, de rumo certo, de rota controlada, de estágios mais ou menos definidos.
É depois de um tempo que tudo começa a embaralhar, em caos, em surpresa, em tocaia traiçoeira e covarde.
É depois de um tempo que – uma imagem: a pia por fazer, a louça por lavar, a cama por forrar, a casa por varrer, e, um dia inteiro por viver. Cinco imagens.
É depois de um tempo que começamos a nos perder na casa vazia, no vazio da casa, na solidão do fim-de-tarde. Cai a noite como um manto escuro e pesado. Cai a noite em conta-gotas: uma buzina leve, luzinhas que acendem, pára-raios parados, céu estático, céu sem nuvens, sem guias, sem estrelas, astros, constelações.
Cai a noite e o céu se tinge de um azul-escuro. Um motor ronca e se perde numa esquina qualquer. Gritos. Um cão que late. Sirene. Borracha de pneus mastigando pedras. A sirene continua, não se cansa. O cão ladra mais forte.
A casa se enche de vazio. De promessas não cumpridas. Não é preciso relógio para marcar as horas: envelhecemos a cada instante. E o que incomoda não são os cabelos que se encanecem, nem as rugas que se comprimem sobre o rosto outrora imberbe, nem os músculos que se flabelam ao sabor da gravidade.
Poderia deixar uma maçã no parapeito e assistir sua ruína. Os escombros das cores.
Não.
O que incomoda é a perda das palavras, a maceração das frases, a dislexia do tempo.
A perda da memória.
O que incomoda é a ausência. O reencontro para sempre adiado.
*
CONFITEOR
Vamos entrando no confessionário, faz favor: o texto acima é de março do ano passado – Rodrigo Levino andou me recordando dele e, aqui pra nós, sem que ninguém nos oiça, fazendo elogios a ele.
E dele nem eu me lembrava mais, mas com meu notebook avariado e essa segunda-feira inclemente batendo a porta, segue o que segue, mesmo.
COTA
Das 88 atrações que se apresentaram no grande espetáculo Mossoró-Cidade-Junina – me informa o release – apenas seis não eram da região Nordeste, o que representaria um percentual de 6,8%. Uma merreca, pois. A pergunta que não quer calar é: estariam incluídos nessa cota os cangaceiros do Pânico na TV?
ÁGUA
Nada contra o bairrismo, o provincianismo e as cotas – raciais ou de berço esplêndido –, mas chamou atenção, também, a ênfase dada ao suposto “tratamento privilegiado” concedido aos artistas: “Na Cidadela (cidade cenográfica instalada ao lado da Igreja de São Vicente que lembra a Mossoró de 1927), por exemplo, o palco foi ampliado e um camarim (devidamente abastecido com comida, água e refrigerante) foi montado especialmente para os músicos.”
Depois, do pão, do circo, já é uma evolução: temos agora água e refrigerantes.
CAPANGA
“Capanga moderna” é o título do segundo CD do grupo Diogo Guanabara e Macaxeira Jazz. O lançamento é amanhã, no TCP, em duas sessões: 19h e 21h. Ingressos a R$ 10. Sem área vip, premium, ou ralé.
TECHNOPOP
Termina amanhã o prazo para quem quer participar do edital “Arte tecnologia – apoio à produção e divulgação das artes visuais em novos suportes tecnológicos”. Os projetos devem ser enviados pelo correio. Confira no sítio da fapern: www.fapern.rn.gov.br.
AGOSTO
Termina no próximo 10 de julho o prazo para quem quer participar do Festival Agosto de Teatro – 20 espetáculos serão selecionados e cada um embolsa cachê de três (mil) contos. Confira o edital completo no sítio da Fundação Zé Augusto (www.fja.rn.gov.br) ou dê um alô no 3232.6372.
REBELDE
Rilder Medeiros nos preparativos para a quinta edição da Feira do livro de Mossoró (em agosto), que ataca em todas as áreas do mundo virtual: além do clássico sítio www, tem twitter, blog, flickr e You Tube.
Na falta de nomes para a abertura e o encerramento (terça, 4, domingo, 9, respectivamente) o sobrescrito sugeriu o nome de Arnaldo Dias Baptista – que um livro publicado, “Rebelde entre os rebeldes”.
PROSA & POESIA
Os quadradinhos nos cantos desta coluna, esta semana, são e serão colhidos da revista Perigo Iminente (Natal: Flor do Sal, 2009) e do livro “Indícios flutuantes”, da poeta russa Marina Tsvetáieva (tradução Aurora F. Bernardini, São Paulo: Martins, 2006).
Aliás, falando na Perigo Iminente, a revista terá novo lançamento pela Fapern, em data a ser confirmada.
PROSA
“Não se rouba ou se destrói uma cidade sem também ser roubado e destruído.”
Marize Castro
Perigo Iminente
VERSO
“Por este inferno, / Este delírio, / Pros velhos anos, / Dê-me um jardim.”
Marina Tsvetáieva
“Jardim”
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