sexta-feira, 15 de maio de 2009

O amor nos tempos da ditadura

“Ser noivo é ser ditoso.”
O sobrescrito ouve as palavras da boca de Cassiano Arruda Câmara, não sem alguma surpresa. Ainda mais porque no entorno da frase circulam histórias apaixonadas sobre cartas de amor de um noivo para a sua noiva e vice-versa. O autor das cartas, o noivo, era Cassiano. A noiva, sua mulher até os dias de hoje, Nilma Arruda.
Me desdigo da surpresa. Convivi com o jornalista e publicitário anos atrás e testemunho o afeto que se encerra por trás daquele peito varonil – a voz tonitruante e o pigarro subseqüente sempre amoleciam quando falava com a esposa ao telefone. Os brutos também amam.
Amor de quarenta anos.
Corria o ano de meia-nove, um após a promulgação do AI-5. E, em um 16 de maio como o dia de amanhã, Cassiano, então editor-chefe da Tribuna do Norte, e Agnelo Alves, então prefeito de Natal e diretor do jornal, eram presos. Por conta de uma nota até hoje misteriosa e que os militares entenderam como uma afronta ao regime.
Da prisão, claro, restava ao preso escrever cartas. Que Dona Nilma guarda até hoje. Este ano, revendo a correspondência, o jornalista tem a idéia de uma plaquete, para consumo familiar.
Mas o ano presente é o de 2009, que entra para a história do jornalismo potyguar como o ano do decesso de O Poti e o fim do Diário de Natal, ao menos como mais ou menos sempre foi há décadas. E a história se repete em ao menos um ponto: a TN não noticiou a prisão de Cassiano, em meia-nove; o DN não noticiou a saída de Cassiano e sua coluna Roda Viva, neste zero-nove.
“Página virada”, resume o jornalista, esquecendo o noivo apaixonado e reincorporando o pragmatismo seco que sempre o caracterizou. E acrescenta um clássico “Foi bom enquanto durou” – não à toa o chavão freqüentemente associado às relações conjugais. Mas depois de 39 anos, primeiro datilografando, e depois digitando, uma média de cinco laudas diárias, não se vira simplesmente a página.
Fazer o quê? Continuar a escrever, claro. A correspondência dos noivos vira pano de fundo para um relato documentado da sua prisão, em livro a ser lançado no próximo 4 de julho (pela editora Flor do Sal), em data não casual: foi o dia da sua liberdade.
E início de um novo período que se encerrou dia desses, com a demissão inusitada. Os dias de cárcere, sob a luz dos anos, foram enxergados como de transição – daí o título, “Hotel de trânsito”, mesmo local, na Base Aérea, dos quase 50 dias como prisioneiro do regime.
Segundo o autor, o livro servirá, também, para desmitificar o sentido épico e heróico das prisões de então: “Foi preso apenas um cara apaixonado.”
*
BOLA
Coincidentemente, outro demitido do Diário – e interino de Cassiano – lança livro novo na praça. Melhor dizer, em campo: “A cabeça do futebol” tem organização de Carlos Magno Araújo, pois, e Gustavo de Castro e Samarone Lima, e reúne um time, com o perdão do chavão, de craques: pra começar, e assumir o nosso complexo de vira-latas, o espanhol Enrique Vila-Matas. Mais: Daniel Piza. Não se impressionaram? Xico Sá. E Juca Kfouri e Rubens Lemos Filho e Moacy Cirne. Bom, o mais perna-de-pau deles faz gol de bicicleta.
Vai ser lançado em várias capitais destes Tristes Trópicos, mas pelas ribeyras do Putigy a data programada é 26 de junho.
CONTO
“Conto: porque conto” (ou será “Conto: por que conto”?) – enfim, mais um título de Públio José nas paradas de sucesso: vinte contos entre a ficção e as memórias de infância. Pra daqui a pouco, aguardem.
HINOS & DOBRADOS
Esta semana rolou homenagem a Augusto Severo, na praça homônima, dentro do calendário de atividades idealizado pela Fundação Zé Augusto, para dar vida às praças e logradouros da cidade, explicando por que diabos têm o nome que têm.
Como o sobrescrito não viu notícia em canto algum – o que não significa que não tenha aparecido – assuntei Dona Mary Land Brito, da FZA. Que me disse que o evento (107 anos da morte de Severo) reuniu cerca de 120 alunos, mais os descendentes Augusto Maranhão e Berta Severo.
Houve um minuto de silêncio. A estudantada depositou flores no busto e todos cantaram o hino de Augusto Severo. A Banda Curumim, da Rua do Motor, tocou hinos e dobrados em memória do ilustre inventor.
ÁGUA ARDENTE
O professor Vicente Serejo ilustra hoje o auditório do Sebrae falando sobre a mardita (benedita) pinga. Prévia da “Festa da Cachaça e Comida de Boteco” – que segue amanhã no Forró do Jerimum, em Parnamirim Fields, com o maior garçon de todos, Mr. Reginaldo Rossi.
NIGHT FEVER
Aliás, páreo duro amanhã – além de Rossi, tem Os Poetas Elétricos (Nalva Melo Café Salão), Vander Lee (TAM), e a primeira noite do MPBeco (Cidade Alta).
INTERINA
Desfeito o mistério: a partir de segunda assume o posto Sheyla Azevedo, que lhes fará muito melhor companhia, garanto.



PROSA
“Nós podíamos pôr quase tudo em comum exatamente porque a princípio não tínhamos quase nada.”
André Gorz
Carta a D.
VERSO
“Que no peito dos desafinados
Também bate um coração”
Tom Jobim e Newton Mendonça
“Desafinado”

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