terça-feira, 17 de março de 2009

Dias de poesia

Foi uma verdadeira odisséia o Dia da Poesia neste dois mil e nove, que conste nos autos.
Nem o seu maior homenageado, o poeta Volonté, cuja fama de peripatético já conquistou até as colunas sociais, agüentaria bater a City nestes dois, três dias de festa (estranha), circo (mambembe), pão (dormido).
Pois, por absoluta e profícua proliferação de poetas neste Ryo Grande, as comemorações tiveram de ser divididas em bem mais que as clássicas vinte e quatro horas – Jack Bauer não daria conta do recado.
Quanto a mim, conto apenas o que vi.
Mas, por que não? também o que não vi. A começar pelo café-da-manhã, tradicional forra-barriga por estes terreiros e tabuleiros de famintos. Soube que o da Funcarte, municipal, marcado para as 7h30 da madrugada, lá pelas 9h ainda não tinha sido servido. Da “Alvorada Poética” [sic], estadual, ambientada no fantástico cenário da Fortaleza dos Três Magos, de nada ouvi falar.
Também no pouco que vi, não vi nenhum político. Por onde passei não enxerguei sombra, nem de ex-prefeitos, nem de prefeitos, nem governadores, nem governadoráveis.
Vi, é certo, a figura miúda do deputado Fernando Mineiro. Me pareceu mais franzino que de costume. Lá pelo Beco da Lama. Onde também flanava o ex-vereador Hugo Manso. O deputado Mmineiro (com maiúsculas e minúsculas, como se verá, súbito) saiu cedo, muito mineiramente, aliás, pois. Disse que voltaria pro show (literalmente show, em inglês mesmo) do arremedo de matuto, Jessier Quirino.
Eu desconfio que Mineiro não estava muito à vontade com o entrudo apoiado pela Fundação Zé Augusto na lama do beco. Mas isso é só uma impressão. Saca aqueles palhaços que ficam pastorando os carros nos semáforos e nas faixas de pedestres? Pois, arrumaram um magote deles, botaram-lhes um microfone nas mãos e haja falação travestida de versos e homenagens aos poetas e à poesia.
Eu sabia que cultura & letras nesta terra eram e são motivos de piadas. Agora o negócio tá oficializado.
E entronizado pela Fundação Zé Augusto, que ainda por cima e por baixo, na carência de projetos próprios, pegou carona na Samba – Sociedade dos Amigos do Beco da Lama e Adjacências. Num evento, aliás, há muito bancado, gerido e gerenciado pela Samba. Há anos, séculos, milênios. Em que consiste o evento? Em nada, apenas em se reunir ali pelos arredores de Nazaré, bar, restaurante, transversal do tempo, encher a cara, falar mal de um, bem do outro, bradar alguns versos retumbantes e acender mais umas velinhas ao velho culto à marginalidade, um tico de rebeldia, outro tanto de autocomiseração.
Pois, ficou a FJA – a vaca sagrada das instituições culturais deste Ryo Grande – com as Adjacências.
PREÁS NA CADÊNCIA DO SAMBA
Descobri, também, que lá pra maio, mês das noivas e das mães, vai ter eleição pra Samba. Uma das chapas tem como vice-presidente Abimael Silva, presidente Augusto Lula, marqueteira Daniele Brito. O sebista e editor encarnado não tá nem aí pra política de boas-vizinhanças às vésperas da campanha eleitoral. Campanha, esta, aparentemente mui sintonizada com este Brazil-brazileiro: se não é exatamente um mar de lama, que seja um beco, com o perdão do trocadilho.
Reclamou, o Silva, de um bocado de coisas sobre a gestão da FJA, aliás, FZA, com as quais, quase todas, concordou o sobrescrito. A revista Préa, por exemplo, lançada ao meio-dia, sol inclemente, já tinha acabado lá pelas duas da tarde. Reclamou ele. Reclamei eu. Reclamamos nós. Tantos exemplares em policromia e quede a distribuição? Lá pelas quatro, Mary Land Brito, editora, arrumou umas cópias. Para poucos e bons, como reza um colunista, o que contraria o espírito democrático da coisa.
Não vou dizer que seria melhor que não arrumasse, que gosto de Mary Land por demais. Mas, vamos e convenhamos: a edição de número 21, janeiro e fevereiro deste ano, é uma vergonha.
Antes, uma mergulhada no túnel do tempo, pra ninguém se enganar com os números altos: a atual gestão da FZA publicou, em dois anos, três preás: a primeira em maio de 2008, as outras duas, agora, 14 de março de 2009.
Da número 20 me abstenho de falar muita coisa, que tá marrom: marromeno. E segue a cartilha pautada pelo antigo editor, Tácito Costa.
A número 21, insisto, é uma vergonha. Ainda mais porque se diz “edição especial”. Ainda mais porque chama na capa para supostos “avanços da cultura” neste Ryo Grande.
São 76 páginas (contra 90 das edições anteriores) de auto-louvações, explicações, desculpas de amarelo. Lá pras tantas um artista plástico, poeta e produtor cultural, faz coro com o coro dos contentes: “Não se arruma uma casa num estalar de dedos, é preciso tempo para se pôr cada objeto em seu lugar. Penso que dois anos é muito pouco para se colher os frutos desejados.”
Ora, mas que essa: dois anos é metade de um mandato governamental ou muito me engano?
Tem mais, muito mais. Mas fico com a página dedicada à Gráfica Manimbu: o texto diz que foram impressos 20 mil cordéis, publicados dois (!) livros e seis (!) “estão em fase de conclusão”. Só não informa, nem diz, nem bota uma fotinha da capa de nenhum deles. Que dois livros foram esses? Quais e quantos exemplares de cada um dos cordéis? Mais: diz que o número de impressos da gráfica chega aos 750 mil – botou na conta bilhetes do TAM, do TCP, cartazes e folders para grupos artísticos. Tirando os 20 mil cordéis, os dois mil exemplares dos livros (calculando uma grande edição, para os padrões locais, de mil, cada), restam 728 mil – ingressos? Cartazes? Opúsculos?
Como bem lembrou Abimael Silva (por sinal ele me confirmou que todos os livros que aparecem na foto da página dedicada à Manimbu são editados pelo Sebo Vermelho), por muito menos os artistas nativos promoveram a lendária “Passeata do Bode”, durante a gestão Woden Madruga – “Só porque ele remanchou um pouco”, lembra Abimael, acrescentando, “e hoje ninguém faz nada para protestar?”
Fica a pergunta no ar. E as Preás impressas. Para a posteridade da vergonha.



PROSA
“Dizem que ‘quem não tem vergonha todo o mundo é seu’; a verdade, porém, é que quem não tem vergonha é que é de todo o mundo.”
Barão de Cotegipe
O Brasil anedótico
VERSO
“Cansei de abrir a caixa de milagres
e não haver poesia lá.”
Adriano de Sousa
“Ofício”

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