terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Triste e desoladora

Triste e desoladora a tradicional procissão fluvial de Nossa Senhora dos Navegantes. Domingo último.
Poucos barcos – ainda mais poucos os enfeitados – cruzaram o Putigy, passaram sob a imponência da Ponte de Todos e de Ninguém, receberam tímidos mas fiéis aplausos diante do mercado e muitos rojões indiscretos – que o rojão, como se sabe, é grande.
Sabem mais ainda a governadora Wilma, a neo-prefeita-eleita Micarla e o governadorável Robinson, que, claro, subiram ao palanque armado, de costas pro rio, de frente para a igrejinha.
Uma pequena multidão bateu palma pra lá, bateu palma pra cá, entre uma lágrima furtiva e um gole de cachaça ou cerveja boiando no isopor – que o Reino dos Céus neste Ryo Grande é dos ambulantes diários, suor do rosto, calo na mão e coisa e tal.
O padre não contou conversa. Disse que o mesmo povo que bota os políticos no poder é o povo que os tira de lá. Eu desconfio, mas, há de crer em algo, o pároco. Foi um tiquinho mais simpático à Dona Micarla. Dedo em riste, apontando para o Céu com “c” maiúsculo, chamou atenção que o Governo ainda não fez tudo o que podia. O Anel Viário por exemplo. A santa era outra, mas Dona Wilma não se fez de rogada. Ou fez, sei lá. Como se num debate eleitoral estivesse, pediu direito de resposta sem pestanejar, deu dois passos pra frente e puxou o microfone, livrando-se da culpa: falta a licença ambiental e isso é com a prefeitura. E olhou meio atravessado pra neo-prefeita-eleita, muito discretinha, devo dizer, no palanque armado (onde, ao lado do presidente da Assembléia, pôde-se observar que não tem lá grande estatura – no sentido de altura, calma, muita calma nessa hora).
E do mesmo jeito que aplaudiu a crítica do padre, o povo aplaudiu a governadora – que o povo pra isso tem serventia: se postar diante do palanque e aplaudir pra lá e pra cá, levantar as mãozinhas, fazer coreografia, entre o sacro e o profano, às vezes as duas ao mesmo tempo.
O padre, que jogava pra torcida, fiel ou infiel, piscou o olho pra Dona Micarla, bendizendo-a: que não seja por isso que a prefeita há de facilitar os trâmites. O povo aplaudiu de novo e tra-lá-lá.
Seguiu-se a missa, mas eu me embora fui, contrariando a gramática, os Céus e os Infernos.
*
23.12.28, 17h
Tudo muito diferente do cenário pintado por Mário de Andrade, em 23 de dezembro de 1928:
“A Redinha é protegida por Nossa Senhora dos Navegantes que sai hoje em procissão pelo Potenji. São dezessete horas. O sol desobediente brinca com fogo nas janelas praieiras da cidade. [...] Nas bandas da Redinha as velas florescem batidas de sol, muito brancas. [...] Os navios ancorados no porto, dois estão embandeirados. Um hidro-avião faz peraltices enquanto espera pra sacudir um bocado de flores sobre a mãe do Mar. É pouco olhado. Natalense não se amola mais com aeroplano. [...] Não causou sensação e a noite cai.”
E continua:
“Na cinza do rio surge uma pirâmide de luzes, que assim na lonjura é uma grande luz só. É o andor da Senhora subindo o rio. Do lado e atrás do rebocador que o conduz vêm duas fileiras de lanchas. A escureza comeu as velas dos pescadores.
– Chapéu! péu!... péu!
Aqui inda obrigam a gente a tirar o chapéu à passagem do santo.”
CONTAGEM
Voltando aos dias de hoje, quando o padre citou o nome de Fátima Bezerra, de cima do palco partiu um único aplauso, solitário e breve: as mãos da governadora bateram uma contra a outra, umas duas vezes, máximo três.
ADEUS
Findou o verão, de norte a sul pelo litoral. Se Nei Leandro (de Castro) se impressionou com as mansões pouco mansardas da República de Jacumã, definindo-as francamente “cassiânicas”, nos alpendres da Redinha ficou impresso o alvoroço de Rejane Cardoso chamando o vizinho que não tem mais: “Diniz, Diniz...”
Resta a casa colorida, sem ninguém, à beira-mar, a areia fina lambendo a fachada.
TANTO RISO
“Numa cidade em estado de calamidade todo riso é tétrico porque nasce de sua própria assombração.” – de Vicente Serejo,semana que passou, provando o anunciado durante a última campanha: que na hora de criticar a Borboleta, ex-aluna, não titubearia.
EFEMÉRIDES
Dia cheio de efemérides, este 3 de fevereiro: em 1834 era inaugurado o Atheneu Norte-rio-grandense – com fundação em dezembro de 1833.
Também no dia 3 do 2 do ano de 1896, se instalava a primeira Igreja Presbiteriana de Natal.
E em 1899, nascia João Café Filho, em Extremoz, presidente do Brasil no período 1954-55.
Do mesmo dia e mês (ano 1947), o Decreto Estadual no 682 criava a Faculdade de Farmácia e Odontologia de Natal.
RITO
É hoje o lançamento do “Pequeno ritual das coisas inúteis”, de Theo G. Alves, no Nalva Café, Ribeyra, hora 18 em diante.



PROSA
“Oculta nessa monotonia, da banda do mar fica a Redinha, praia de verão, bairro em que ninguém sonha pela preguiça do pensamento atravessar o rio com este sol.”
Mário de Andrade
O turista aprendiz
VERSO
“Sobre um mar de rosas que arde
Em ondas fulvas, distante”
Pedro Kilkerry
“Sobre um mar...”

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