segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

O amor em dois tempos

Enquanto isso e porque é segunda-feira, vale à pena alongar as pernas e a cervical e enfrentar a desorganização da rede Cinemark para assistir ao menos dois filmes na programação atual: “O leitor” e “O curioso caso de Benjamin Button” (este também no Moviecom).
O primeiro, denso, bem estruturado e amarrado por excelentes atuações e por uma discreta, mas eficientíssima, trilha sonora.
O segundo, uma sopinha rala que lembra outros pastiches, como “Titanic”, e coisas um pouquinho mais sérias e bem-resolvidas, como “Forrest Gump”. Épico, pois. Grandiloqüente, pois.
Cito “Titanic” não à toa: Kate Winslet, a protagonista de “O leitor”, milagrosamente sobreviveu ao poderoso esquema comercial de Hollywood, que gasta cada vez mais para produzir cada vez maiores bilheterias.
E, não só sobreviveu, como há muito se livrou do barco afundado, do abraço apertado (e brega) de Leonardo DiCaprio e da voz melosa de Céline Dion cantando uma versão gringa de uma música da deusa Marina Elali.
Além do mais, no terreiro das semelhanças, seja o filme de James Cameron seja este “Benjamin Button” se valem do artifício de colocar uma velhinha mais ou menos simpática para narrar a história e preencher os buracos do roteiro – recordar é viver, eu vivo recordando você, já cantava Perla em priscas eras.
Lovestory, claro. Chegada à velhice, ao ser humano não resta muito que chorar as pitangas de um amor juvenil.
Curiosamente, é o que fazem os protagonistas de “Button” e aqueles de “O leitor”. O Benjamin – como todo mundo sabe – nasce às avessas: velho, pra ir rejuvenescendo a cada ano. No meio do caminho encontra seu amor – no sentido bíblico: já a tinha encontrado (a bela Cate Blanchett) quando era menino mas tinha a aparência de um ancião. Daí que, amor impossível, vai ficando cada vez mais jovem enquanto a amada vai envelhecendo.
O protagonista de “O leitor” também encontra seu amor no corpo maduro de uma Kate Winslet – madura também enquanto atriz.
O resto não posso contar, sob pena de estragar o prazer do leitor, e da leitora – vocês.
Mas que vale à pena assistir os dois, isso vale. Até para efeito de comparação. Como um usa de todos os artifícios hollywoodianos para construir mais um campeão de bilheteria e prêmios Oscar, e como o outro usa de sensibilidade para emocionar e entreter – por que não? –, sem necessariamente ser “cult” ou “chato”.
*
BENJAMIN
Reparem, pois, na bela trilha sonora de “O leitor”. Sutil, discreta, envolvente.
Trilha a cargo do compositor americano Nico Muhly, 28 anos, que já trabalhou, entre outros, com Björk e Philip Glass.
BENJAMIN II
Reparem em David Kross, 18 anos apenas, e encarando à altura – o que não é pouco – Kate Winslet, 38 anos.
Kross pode até não dar pra nada no futuro, mas encarna o papel do adolescente-apaixonado-por-mulher-madura – e depois jovem universitário – como ninguém.
BENJAMIN III
Já o Brad Pitt de “Benjamim Button” – noves fora os efeitos especiais de tirar o chapéu no terreiro da verossimilhança – é uma negação.
Não à toa o rapaz termina rejuvenescendo e ficando, claro, bem pior.
CHERCHEZ LA FEMME
Reparem na inglesa Tilda Swinton (“BB”), que vale cada minuto que aparece, entre nuvens de vodka e caviar russo, desfilando seu tédio de mulher mal-casada à procura da felicidade.
Papel menor que a atriz – e o roteiro, ok – conseguem tornar grande.
HQ
E, se tiverem saco e dinheiro, vão na onda da sabida Ediouro, e comprem “O curioso caso de Benjamin Button” em versão em quadrinhos. Até para sacar onde David Fincher (o diretor da versão cinematográfica) e Nunzio DeFilippis, Christina Weir e Kevin Cornell (os responsáveis pela adaptação aos quadrinhos), divergem.
MACHADO
E se F. Scott Fitzgerald escreveu a história do homem que nasce velho pra depois rejuvenescer, conto que inspirou o filme “B. Button”, nunca é demais lembrar que o nosso Machado de Assis escreveu a história do homem que conta sua própria vida depois de morrer (“Memórias póstumas de Brás Cubas”, claro).
Pois, o sobrescrito recebeu das mãos de Manoel Onofre Jr, o libreto-guia da mostra “MACHADO DE ASSIS, Mas este capítulo não é sério”, realizada pelo Museu da Língua Portuguesa no centésimo ano da morte do escritor.
Simples, criativo, econômico (impresso em papel jornal), o libreto-guia devia servir de exemplo às Capitanias e Fundações deste Ryo Grande.
OS LEITORES
“Ler Machado de Assis jamais deveria ser uma obrigação, ler Machado de Assis é, antes de tudo, um prazer imenso, uma aventura enorme, uma satisfação sem igual, ainda que, por vezes, nós leitores sejamos levados a rir de nossas próprias misérias e desgraças.” – Antonio Carlos de Moraes Sartini, superintendente do Museu da Língua Portuguesa.



PROSA
“Mas tudo isso era antigamente, isto é, outrora.”
Drummond de Andrade
“Antigamente”
VERSO
“Sou esta vontade
doida e doída de viver”
Luís Carlos Guimarães
“Biografia”

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