quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Andreia Dias

Se vocês não conhecem – como o sobrescrito, até há um mês atrás –, precisam conhecer urgentemente Andreia Dias, cantora, compositora, paulista, ex-evangélica, voz afinada no coro da igrejinha, rebelde com causa adolescente que se mandou do lar aos 17 anos, foi morar em Ubatuba, sem lenço, sem documento, se improvisou garçonete, babá, cantora nas horas vagas e extras, e fã de Janis Joplin – que, segundo ela em entrevista para o Programa do Jô, que vejo agora no YouTube, foi sua redenção: “Ela [Janis] me libertou.”
Não esperem encontrar a voz rasgada de Janis no único disco de Andreia, “Vol. 1” (pela Tratore). É mais provável ouvir ecos do extinto grupo de Seu Jorge, Farofa Carioca, que a cantora, passada a fase Ubatuba, chegou a integrar, quando de sua breve fase Santa Tereza.
De volta ao litoral paulista, chega a pensar em desistir da música, indo, literalmente, para uma ilha deserta. Mas leva um pé na bunda do namorado e volta pra São Paulo.
Noves fora os traços underground na biografia, comuns a milhares de pessoas, o melhor de Andreia são as composições.
Dá pra imaginar o fim do seu idílio na ilha deserta ao ouvir os versos de “O fio da comunicação”:
“O meu amor já não tem mais tanta frescura,/ A minha vida não suporta compostura// E assimilando toda a situação,/ Sigo tranqüila com muita perturbação// Espero um dia não tomar o tal Prozac/ e nem perder o fio da comunicação// Na vadiagem glorifico ao meu rei,/ No prosseguir, confesso também errei// Espero ser uma pessoa quase sã/ pra nunca ter que conhecer o Diazepan”.
Não são muitos compositores que conseguem inserir palavras como “Prozac” ou “Diazepan” com tanta naturalidade. Ou “mala”: “E quando vem e me olha com essa cara/ Já me constrange porque me sinto uma mala” (“Asas”, uma resposta de Andreia à letra de “Memórias conjugais”, de Paulinho da Viola – que a cantora conclui cantando: “Anote outra pro seu livro de memórias conjugais/ Vou respirar e não volto nunca mais...”).
Resposta inspirada, também, a letra de “Homem”, que ela conta ter nascido de um comentário de Paulo César Pereio numa mesa de bar onde Andreia trabalhava, mais uma vez, de garçonete: o ator teria comentado, “mulher boa é mulher morta” – vem Andreia e escreve:
“Homem,/ Seu desejo secreto é me ver no necrotério/ Branca como a neve/ Bela adormecida esquecida,/ Uma flor murcha e caída/ Homem,/ Pressinto que opera uma trama fatal/ Sonhei com meu sepulcro à beira do Pantanal/ Hombre,/ Mamífero desmamado, bípede malvado,/ Você quer me espiar/ Vai passar a mocidade esperando se vingar/ E vai regozijar-se quando os meus lábios gelados beijar/ Mas por que, meu querido, por que, meu amor?”
FEMINISMO TUPINIQUIM
As relações afetivas são um tema recorrente, o velho embate entre gêneros, fins de caso, que a compositora incorpora com muita ironia e sem radicalismo – como em “Não mais que um dia”: “Foi ao entardecer que fui perceber com certa ironia/ Que bastou-me um dia pra esquecer a sua fisionomia”. Ou em “Bode”:
“Você diz que não me compreende/ Que não me entende e que sente horror/ Dessa vida louca que ando levando,/ Desvairado amor/ Não percebeu que acabou-se o tempo/ Em que ficava ouvindo o seu lamento/ Minha paciência se acabou.../ Tchau, fui, Adiós// Olhe, não me incomode, não me dê bode,/ Me deixa em paz/ Eu não quero te ver mais.” Pra concluir, vitoriosa, sem revanchismos: “Você se acha o mais esperto, o mais envolvido,/ sabichão com diploma, todo esclarecido,/ sempre por dentro da situação/ O mais malandro, o mais sagaz,/ o mais bonito,/ Mas o que você não sabe, amigo,/ que o mundo não gira em torno do seu umbigo”
As velhas e eternas questões existenciais são reinterpretadas de modo original em “Vampiro tupiniquim” que começa: “O tempo todo eu fico pensando/ O que fazer agora, como e quando começar”. Mas logo vem a resposta: “Não tenho pressa pra comer o banquete,/ Se você preferir, passe na frente/ Estou cansada de papo furado,/ Todo mundo tem complexo de Presidente”, resumindo um aspecto da personalidade verde-amarela, um país onde todos têm uma inclinação para “Astrólogo de plantão,/ Psicólogo de botequim,/ Treinador da Seleção,/Vampiro Tupiniquim”.
Mas as letras não seriam muito se não houvesse o som e a voz que as acompanham. “Vol. 1” (a cantora diz que já tem material para uma trilogia) tem a participação do sempre bom Fernando Catatau nas guitarras (Made in Ceará), Luque Barros no baixo, Marcelo Jeneci nos teclados e Guilherme Kastrup na bateria.
O resultado é pra lá de original na morna cena musical dos últimos anos, com uma levada indefinível, passeando e flertando sem muito compromisso com o rock, o samba, o tango e o blues – fontes onde a paulista bebe sem se deixar contaminar pela simples copiação.
Altamente recomendável, enfim, para quem só acredita na carioca Roberta Sá.



PROSA
“Através do rock’n’roll me libertei, do samba me requebrei, do soul e do blues, me inspirei, na boêmia e na capoeira angola me criei.”
Andreia Dias
MySpace
VERSO
“O meu fundo é raso
(Nele às vezes transbordo)”
Andreia Dias
“Linfa ácida”

Nenhum comentário:

Postar um comentário