sábado, 28 de fevereiro de 2009

Adivinhe quem vem para o café-da-manhã: Manoel Onofre Jr.

Manoel Onofre Jr. é uma dessas figuras do universo provinciano – no bom sentido da palavra – que mais contribuem para a sua preservação. Apesar do próprio trabalho autoral, parece se preocupar mais em comentar, seriamente, o trabalho dos outros autores, poetas, contistas, escritores, cronistas, enfim, a turma que faz a tal literatura potyguar. Ao elogiá-los, torna-se quase a exceção que confirma a regra da City: aquela que afirma, sem explicitar, que ninguém elogia ninguém a menos que um elogio estrangeiro se antecipe ao louvor. Manoel Onofre Jr. acredita nessa literatura, com uma devoção quase santa: para ele, os santos de casa milagreiros são.
Benevolente, sincero, amável, empresta à coluna um fragmento do seu próximo livro. É um capítulo inédito de “Portão de embarque 2, destino Portugal”, que o autor só colocará o ponto final em abril, quando viaja, uma vez mais, para o antigo Reino desta Colônia. Lá, Onofre flanará pelas cidades ainda desconhecidas de Amarante, Aveiro, Bragança e Vila Real.
O texto a seguir é ainda mais especial com a presença mágica, terna e eterna de um dos personagens: Luís Carlos Guimarães.
Aqui, um parêntesis: o sobrescrito tem uma dívida imensa com o poeta Luís, Lula, que há mais de dez anos fez questão de me conhecer numa Roma mergulhada numa primavera quase inverno, ou era um outono quase inverno, não me lembro bem – o que importa é que os dias, então, eram frios, e o primeiro convívio com Luís Carlos literalmente me aqueceu o coração, seja pelo vinho, seja pelos olhos luminosos do poeta, outra exceção entre os poetas: nunca falou muito sobre o próprio umbigo, preferindo dedicar-se aos versos alheios, com sincera admiração e sem louvores enfadonhos. Nunca me esquecerei que pouco antes de morrer eu deveria me encontrar com o retratista do “homem de paletó cor de goiaba” (do poema “Canção urbana”), encontro sempre adiado às minhas custas. E penas. Enfim.
Luís Carlos entendia a poesia como vida e vice-versa. Uma vida, poesia, que merecia ser constantemente brindada, em companhia. Fica então, a homenagem de Manoel Onofre Jr., a qual, sinceramente, com carinho, me junto:


O “CACHO DOURADO”
Dois poetas que o Rio Grande do Norte doou ao Brasil – Luís Carlos Guimarães e Nei Leandro de Castro – têm suas vidas ligadas de certo modo a Portugal. Luís Carlos, que já se foi deste mundo (atravessou a ponte de safena, como disse num poema), e Nei, quando iam a Lisboa gostavam de se encontrar para tomar vinho num restaurante da Rua Eça de Queiroz – o “Cacho Dourado”.
Nei já havia notado e anotado o pitoresco e, mesmo, o inusitado de alguns nomes de restaurantes portugueses. “Inhaca”, por exemplo (ver a crônica “Lisboa dos meus amores”, no jornal Tribuna do Norte, de Natal, 24.10.2008). Outro nome curioso: “Polícia”. Sim, senhor: Restaurante Polícia! E que tal “Tromba Rígida”?
Mas, o que eu queria dizer é que Nei me sugeriu ir ao “Cacho Dourado” para brindar à memória do amigo Luís Carlos. Fui.
Com saudade (dizem que esta palavra só existe no idioma português), lembrei-me de uma vez em que eu, ao sair de uma estação do metrô, em plena Praça dos Restauradores, vi, surpreso, Luís Carlos e Diógenes da Cunha Lima em meio à multidão. Corri para cumprimentá-los, e foi aquela festa. Depois fomos dar uma volta pela Feira do Livro, no Parque Eduardo VII – Diógenes à cata de livros de e sobre Camões. Bons momentos, aqueles... Mas faz tanto tempo. Luís Carlos, feliz da vida por reencontrar a sua Lisboa, conversava animadamente, longe de saber que a indesejada das gentes o espreitava.
Agora estou no “Cacho Dourado”, depois de localizar, não sem alguma dificuldade, a Rua Eça de Queiroz, rua pequena e escondida, que não faz jus à grandeza do escritor.
As letras em neon – Restaurante Cacho Dourado Cervejaria Marisqueira – encimam a porta envidraçada e a vitrine em que se expõem travessas com especialidades da casa. Entro e me abanco. O ambiente é simples, acolhedor. Azulejos tipicamente lusitanos revestem até meia altura as paredes do salão, que uma grande arcada divide em dois. Mesas e cadeiras dispostas simetricamente, inúmeras. No balcão junto ao caixa, uns senhores de meia idade, com ar de amigos da casa, bebem cerveja e discutem futebol.
Qual dessas mesas era a mesa dos poetas?
Peço ao garçom um bom vinho e, cumprindo o prometido a Nei Leandro, faço um brinde à memória desse que foi grande na arte e na vida: Luís Carlos Guimarães. [Manoel Onofre Jr.]



PROSA
“A noite parecia leve, irreal, saída de um romance de Eça, de um verso de Pessoa, de um cartão-postal, daqueles que encheram de desejos os pobres olhos provincianos da nossa infância.”
Newton Navarro
“Amigos em Lisboa”
VERSO
“O fado na Adega do Ribatejo
evoca águas tristes do Tejo?”
Luís Carlos Guimarães
“Adivinhas”

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