sábado, 21 de fevereiro de 2009

Adivinhe quem vem para o café-da-manhã: Carito, Flávio Freitas & Gracita

Lá vem Gracita Cardoso Lopes, convidada para este breakfast. Fiquei na dúvida como apresentá-la a quem não a conhece. Melhor opção não poderia ser a encontrada: os amigos Carito e Flávio Freitas, poeta um, pintor o outro, artistas os dois – aliás, os três – acabaram ampliando os convivas deste café-da-manhã. Com a palavra, o trio:

SOBRE GRACITA ALGUMAS PALAVRAS
Das antenas de Arnaldo escuto “seu olhar melhora o meu”. E a poesia de Gracita melhora a minha, a de todo o mundo. Seu sábio olhar-síntese de sacadas curtas com ampla visão me fez tantas vezes caminhar em busca desse seu olhar arquitecrônico. Pois é, Gracita sempre foi poesia não deixando de ser arquitetura. Alguns se surpreendem por essa arquiteta bem sucedida ser também poeta. No inicio de sua carreira, lá por meados dos anos 80, eu também fazia carreira - para o seu escritório para ver seus projetos. Seus projetos de poesia, projetos de livro que não sei porque ela ainda não publicou. Trocávamos figurinhas Lemisnkianas e como diz na abertura de um livro sobre a vanguarda de Londrina: “sorte não haver o que segure”. Assim, com a Gracita de Deus, ela nos brindou os melhores pratos escritos nas paredes do saudoso bistrô Raro Sabor, entre outros antros pó mágicos de suas linhas arquitecrônicas. Não preciso botar mais linha na fogueira: mas tudo que ela cria, recria; tudo que ela bota pra cima hai cai muito bem. [Carito]

GRACITA
Sertaneja cosmopolita, sintonizada com o mundo fashion da arquitetura, workaholic com poucas chances de “cura”. Conheci-a no início da década de 80 quando sentamos para assistir a primeira aula do curso de arquitetura e urbanismo da UFRN. Aluna dedicada, responsável e, desde sempre, apaixonada pela arquitetura. Mas antes de qualquer talento, o que aparecia primeiro era sua facilidade para escrever e o amor pela literatura. Fosse criando textos para o seu misterioso diário, que ela eventualmente nos permitia conhecer pequenos trechos, ou para os trabalhos do curso, ou simplesmente declamando de memória poemas de Carlos Drummond e outros autores.
Naqueles anos de sonho e idealismo universitário tive o prazer de ilustrar uma cartilha em quadrinhos criada por Gracita, pelo ano de 1984 ou 85, com a nobre missão de conscientizar e informar os moradores da Rua Pinto Martins, em Areia Preta, sobre os prejuízos conseqüentes da construção de prédios mais altos do que o nível da rua. Não sei quanto do resultado é mérito da cartilha, mas o fato é que o movimento popular em defesa da Pinto Martins surtiu efeito e ficou estabelecido um limite máximo de altura para as construções nos lotes a leste da rua. Favorecendo a ventilação e visão da paisagem no antigo Alto do Juruá.
Passados os anos, Gracita fez-se uma das mais atuantes e competentes arquitetas do nosso Rio Grande. Pressionada, constantemente sobrecarregada como em geral somos os profissionais autônomos em nosso Brasil, a literatura continua sendo sua melhor válvula de escape. Torço para que ela multiplique seu talento de escritora por nós leitores e para que quando chegar frente a frente com o criador do mundo não ter que responder a trágica pergunta: “– Minha filha, o que você fez com o talento que eu lhe dei?” [Flávio Freitas]

O PADRE, A GOVERNANTA E A COZINHEIRA NEGRA
No dia que Baía morreu, fui ao supermercado, cozinhei e quis dormir uma vida inteira.
Baía tinha 103 anos e, na minha infância, fazia sopinhas e me recebia, por cima do muro, na casa do padre.
Estava acostumada a ter Baía eterna naquela cadeira de balanço, em visitas esporádicas que, já adulta, fazia à capital do Ceará.
Não achei que ia chorar hoje, mas chorei. Não choro mais no cinema e não chorei na morte do Padre, meu padrinho monsenhor, que me chamava de Atita e me encantava, quando criança, não sei se por sua cultura, sua governanta solteirona ou sua cozinheira negra.
Era na casa vizinha que eu jantava toda noite. Tão menina, com cabelinhos escorridos e um jeito tímido de ser.
Lembro da escrivaninha do Padre, do seu aparelho de rádio amador e de um macaco, preso numa jaula de arame num jardim interno da casa.
O que me fazia ir lá? As louças? Os quadros? Os livros? O macaco? Ou o silêncio?
Creio que a quietude me encantava numa casa tão diferente da minha, cheia de primos, irmãos, boêmia e uma irmãzinha caçula, que me roubou a babá, e aí, diz minha mãe, a cozinheira e a governanta me pegavam por cima do muro no quintal que separava a nossa casa da casa do Padre.
Padre que teve um “derrame” e, paralítico, foi morar em Fortaleza, onde, a partir de então comecei a passar todas as férias da minha infância.
Voltava aos prantos daquela casa, abraçada com meus cadernos novos comprados na capital.
Com monsenhor Otavio, jantava, almoçava, via TV e lia os livros da sua estante. Com Baía e Maristela a me paparicar eu não queria mais nada da vida (às vezes até me escondia das crianças da rua – na realidade eu gostava daquela infância quieta).
O Padre morreu num sábado como hoje. Eu já fazia faculdade e pensei: vou ter um filho com seu nome e trazer as duas para morar comigo.
Mas ele deixou a casa de presente para elas, e essa casa aos poucos foi perdendo “sua alma”: a escrivaninha, os quadros, as cristaleiras, os livros, e todas as coisas que aos poucos foram sendo doadas para os sobrinhos do Padre (também ganhei uma xícara antiga e um prato para bolo...).
Não chorei por ele. Lembro que dormir e acordei sem ar. Mas chorei por Baía e talvez, inconscientemente, por todos os meus mortos recentes.
Chorei no ultimo sábado das férias como chorava na minha infância. Coincidentemente é janeiro e aqui não, mas lá no sertão já era inverno... [Gracita Cardoso Lopes]



PROSA
“só ele tem o direito de chorar, mas seus olhos estão de tal maneira secos que poderia esfregar um fósforo neles e acendê-lo.”
Alan Pauls
História do pranto
VERSO
“Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.”
Cecília Meireles
“Motivo”

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