segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

A Palestina em quadrinhos

Até um dia desses a conta chegava aos 650. Seiscentos e cinqüenta o quê? 650 palestinos mortos. Continua apenas um número, verdade? 650. Palestinos. Mortos – não se sabe quantas mulheres, quantas crianças, quantos homens. Aliás, a morte de mulheres e crianças não é mais terrível do que a morte de homens, acho. Para saber mais sobre o assunto procurem nas livrarias duas obras fundamentais do jornalista Joe Sacco – “Palestina: uma nação ocupada” e “Palestina: na faixa de Gaza”. Foram publicados, no Brasil, pela Conrad, em 2000 e 2003, mas qualquer livraria de vergonha deve(ria) tê-los em estoque. Não se admirem que pareçam histórias em quadrinhos. São. Exatamente isso. Histórias reais dos “perdedores da história”, para usar um termo empregado por Edward Said no prefácio do segundo: “banidos às margens ou vagando em desalento, sem muita esperança ou organização – a não ser por pura rebeldia, pela força de seguir em frente, quase sempre ignorada, e pela disposição para se agarrar à sua história, contá-la repetidamente, e resistir a planos de expulsá-los de uma vez.”
Alguém dirá que é apenas um lado da notícia. Que seja. É um lado, pois, que nos interessa, esse, dos “perdedores da história”.
O ponto de vista de Sacco não se detém nos grandes protagonistas, mas nas pequenas histórias cotidianas, de anônimos, nas feridas dos moradores dos campos de refugiados, balas de borracha, balas reais, marcas de uma guerra diária. Os feridos as exibem às vezes com revolta, às vezes com orgulho, quase sempre com ambos os sentimentos ao mesmo tempo. (“Você ouviu o Mohammed dizer que nunca foi preso?”, pergunta um entrevistado ao jornalista – “Ele tem vergonha disso”, conclui.)
Tão acostumados – e anestesiados – estamos com as imagens na TV, de morte, bombardeios, escombros, explosões, separados pelo tubo catódico, pelo plasma ou LCD dos dias de hoje, que ler os quadrinhos jornalísticos de Joe Sacco termina nos aproximando da verdade. Aquelas pessoas, desenhadas em traços beirando o grotesco, distantes da estética dos walt disneys e maurícios de souza da vida, são reais, o terror em que vivem é real.
E Sacco despe-se de vez da suposta objetividade do jornalista: desenha a si mesmo em meio à ação, como parte integrante e inseparável do que quer noticiar, segundo o lado que optou retratar (o lado dos “perdedores da história”, lembram-se?). Mais: despe-se do papel de herói, que muitos correspondentes de guerra preferem assumir, e mostra-se inquieto, com dúvidas, inseguro, com medo, às vezes com o ego inflado pelos futuros elogios que sua reportagem em quadrinhos almeja alcançar – durante um confronto entre soldados e manifestantes em Ramallah, Sacco se desenha fugindo da briga, auto-irônico: “Não quero chegar perto demais... Prometi para mamãe que tomaria cuidado... Além disso, estou tremendo pra caramba... Decido dar a volta no quarteirão, aproximar-me pelo outro lado... É bom para o gibi. É bom para o gibi. É bom para o gibi.”
Os gibis saíram ótimos.
*
NÚMEROS
Relendo os dois gibis de Joe Sacco, pesco alguns números:
No primeiro ano da intifada, 1987-1988, 400 palestinos foram mortos, vinte mil feridos.
Nos primeiros quatro anos da intifada, os israelenses cortaram 120 mil oliveiras de palestinos (Sacco desenha o rosto enrugado de um palestino, alguns dentes faltam na boca aberta – o velho foi obrigado pelos soldados a cortar suas próprias árvores: “Eu estava chorando... senti como se estivesse matando um filho...”).
Nos primeiros quatro anos da intifada, os israelenses demoliram 1.250 casas palestinas.
Nos primeiros quatro anos da intifada, os colonos israelenses mataram 42 palestinos – apenas três julgamentos foram concluídos, a maior sentença foi de três anos. “Por outro lado”, conta Sacco, os palestinos mataram 17 colonos – nove palestinos foram a julgamento, seis deles condenados a prisão perpétua.
FÓRUM
Os alunos da UFRN que desejem participar do Fórum Social Mundial – este ano em Belém do Pará – podem procurar o Comitê Universitário “Chico Mendes” ou Bruna Massud (8873.1656). A turma parte próximo dia 24 e retorna no segundo dia de fevereiro. O custo? Duzentos paus.
INÚTIL
“Pequeno ritual das coisas inúteis”, de Theo G. Alves, é o próximo lançamento da Flor do Sal. Para janeiro, mais tardar fevereiro.
LOCAU
Hoje tem “Sarau Locau! – Recital de Verão” em Pium, litoral sul deste Ryo Grande. A partir das 19h, no ZenBar Café, Rota do Sol (em frente ao ginásio de esportes). Grátis.
CARNAVALHA
Gutenberg Costa email-a-me para contar que o “Antigos Carnavais” entra em seu oitavo ano, próximo 6 de fevereiro, a partir das 17h: o frevo parte da velha Catedral, Centro Histórico, e desce a ladeira, onde rola o Baile da Saudade, na Ribeyra Velha de Guerra.
“A nossa banda com 60 músicos é comandada pelo maestro Rezende e só toca frevo”, alerta o folclorista – que lembra, sem choro nem vela, que continua sem patrocínio algum para um livro que escreveu sobre a história do carnaval natalense, derna 1877 até os dias de hoje. Para ter uma idéia da iconografia, Costa tem mais de 500 fotos antigas do nosso carnaval.
Alguém aí se habilita a patrocinar a obra?



PROSA
“Os habitantes vêem as estrelas do meio-dia às vezes nas fronteiras de suas pátrias.”
Mourid Barghouti
Eu vi Ramallah
VERSO
“Foi aí que me dei conta
da tamanha inimizade comigo mesmo”
Márcio de Lima Dantas
“Comigo me desavim”

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