segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Da vida que poderia ter sido

Está lá o gajo muito contente e satisfeito, observando indiferente o próprio umbigo, proeminente como a posição social que alcançou, quando a porta da sala se abre e aparece um belíssimo Anjo iluminado por uma luz que só pode ser divina:
– Que fizestes da tua vida, Fulano de Tal?
O sujeito não consegue desviar o olhar da Assombração e tem tempo apenas de meter o indicador no copo baixo de uísque e ouvir as pedrinhas de gelo batendo-se umas contra as outras, quando já ouve a seqüência do que já lhe parece um interrogatório:
– Não teria sido diferente, se, àquela época, você tivesse escolhido o outro caminho?
Daí que não resta dúvida: ele não apenas está ouvindo vozes, mas também enxerga de onde partem – da figura maciça e imponente de um Anjo Divino e Apocalíptico, como um Gustavo Doré recriado por um George Lucas.
Isso, na sua própria sala, o domingão entrando pelos blindex da varanda fechada. (Não, não, ele reparou: o projetor do home theater está desligado, não é nenhuma pegadinha.)
Ele ainda tem tempo de servir mais uma dose, na dúvida se deveria oferecer o mesmo ao tal Anjo – um 12 anos de boa procedência, o malte, digo – quando o Mensageiro (de Deus? do Demônio?) começa a recitar uns versos:
– “O que poderia ter sido é uma abstração/ Que permanece, perpétua possibilidade,/ Num mundo apenas de especulação./ O que poderia ter sido e o que foi/ Convergem para um só fim, que é sempre presente.”
Essa é fácil – também ele, na juventude, iludia-se com a poesia: são versos de T. S. Eliot para “Burnt Norton”, um dos “Quatro quartetos”.
De uma golada só dá fim e cabo à dose e, com uma coragem que não sabe de onde tirou, ousa responder:
– O que poderia ter sido é uma pergunta comum a nós humanos. Se segue, normalmente muitos anos depois, a uma encruzilhada, momento em que a vida bifurca-se e somos obrigados a uma escolha definitiva.
Foi ilusão de ótica ou ele percebeu um leve tremor de asas, como se o Anjo titubeasse diante da resposta?
Serve-se novamente do Doze Anos, desta vez dois copos, e sem pestanejar, continua:
– Thomas Stearns Eliot, T. S. Eliot, já tinha respondido à questão nos versos iniciais de “Burnt Norton”: “O tempo presente e o tempo passado/ Estão ambos talvez presentes no tempo futuro/ E o tempo futuro contido no tempo passado.”
Estende o copo ao Anjo, que já perdeu metade de sua luminosidade feérica, e conclui:
– Sendo assim, vamos deixar de besteiras, o almoço sai já, já, temos alguns convidados importantes e negócios igualmente, a fechar, a brindar, e você pode se integrar à mesa. Desde, é claro, que deixe essas perguntinhas bobas de lado.
*
SCIENCE
A Fapern e a Uern agendaram para o próximo 8 de janeiro, meio-dia, a entrega do Prêmio Fapern de Jornalismo. E aproveitam a ocasião para entregar os certificados do curso de Jornalismo Científico. No Hotel Praia Mar, Ponta Negra.
ESSÊNCIAS
“Essência do tempo” é o nome do novo show do grupo Delicatto programado para duas apresentações: próximos 13 e 14, sempre às 20h no TAM.
O CEI, Centro de Educação Integrada, viabilizou o espetáculo pela Lei Djalma Maranhão, de Incentivo à Cultura.
ESSÊNCIAS II
De Nelson Freire, ex-deputado, a coluna recebe seu mais recente CD, “Essências” – com composições do próprio, de Diógenes da Cunha Lima, de Paulo Davim, e, acreditem, de Ferreira Itajubá.
De Diógenes, “Olhando estrelas”: “O bêbado faz promessas/ Beber é morte lenta/ Mas ele não tem pressa”.
KEEP WALKING
Em tempos de MP4, ipod e que tais, a imprensa deste Ryo Grande almoça, hoje – grátis –, no Hotel Pirâmide da Via Costeira, com Jalusa Barcellos, Jorge de Sá, Jorge Elali, Margaret Rocha e Rodrigo Bassin, todos atores da comédia “Eu só morro se for de diskman”.
A peça tem estréia nacional por aqui, ribeyras do Putigy, dia 7, no Teatro Alberto Maranhão, onde segue ainda nos dias 8 e 9, para depois partir para João Pessoa, dias 10 e 11.
Cristiane Ferreira, autora do espetáculo, também se faz presente.
FOR ALL
Arnaldo Farias vai de forró hoje à noite no Praia Shopping.
CINEMA CULT
Hoje tem “Feliz Natal”, filme de Selton Mello – no Cinemark, 15h10. Vai até quinta. Se liguem.
Na mesma linha (ou seja, filmes “cult” em horários ingratos), tem “Trinta quadros por segundo”, de Ed Radtke – no Moviecom, 17h40. Também rola até quinta-feira.
ANÔNIMO
De um leitor que pediu gentilmente não ter seu nome citado, a coluna recebeu o email: “Sem querer polemizar com o poder constituído, até porque vivemos numa província, começar a gestão com Marina Elali e Cavaleiros do Forró é mostrar a que veio. Cesar Revorêdo vai ter trabalho para reverter esta primeira mostra do novo poder.”
Ainda: “Temo que a Destaque possa assumir o carnaval e perdermos a semente que plantamos com um carnaval mais brasileiro. Como evento, o carnaval será o primeiro teste do novo mandatário da Capitania das Artes”.



PROSA
“Por que escrevo, se não escrevo melhor?”
Fernando Pessoa
Livro do desassossego
VERSO
“assim me
assino”
Haroldo de Campos
“alvéolos”

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