sábado, 10 de janeiro de 2009

Adivinhe quem vem para o café-da-manhã: Márcia Pinheiro

Não é a primeira vez que Márcia Pinheiro aparece por aqui, notará o leitor mais atento. Nem tampouco esta segunda vez será a última, acrescenta o sobrescrito. Mínimo porque, como leitor, gosto do que Márcia escreve (ela agora tem um novo blog, além do antigo “Se me perguntarem”: http://parecequefoiassim.blogspot.com).
Aliás, melhor deixar que ela mesma se apresente, como faz em seu blog: “Márcia, natalense por descuido ou destino, com um pé em Japecanga, outro em Pium e a cabeça no mundo. Ex-blogueira no www.semeperguntarem.blogspot.com, atual blogueira aqui. Acreditando em e desacreditando de astros, bruxas e afins, sol em virgem, ascendente áries, lua-escorpião. Sobre lua em escorpião já foi dito: ‘a mais temida Lua faz com que a pessoa lide, desde sempre, com o lado negro da vida. Como também com a magia e com a sexualidade intensa. Lua de feiticeiro, porque o feiticeiro é aquele capaz de transformar merda em ouro. Lua-Escorpião mete medo em quem tem medo da paixão, quem tem medo da intensidade das emoções que correm por baixo do pano da consciência clara e cristalina, repleta do que sim e do que não. Lua-Escorpião traz fortes emoções, que permanecem escondidas, e ensina: 1. a saber guardar segredo; 2. a superar-se; 3. que o inimigo é o próprio escorpião"(João Acuio). Pode ser. Ou não.”


A COBRA, O ANO NOVO, A DOR E A CURA
Então não conseguia mais andar. A planta do pé tocando o solo irradiava dos dedos à base da coluna vertebral o choque, depois dor, depois enrijecimento, depois espasmo, depois dor, depois choque. Nem padiola, maca, raio x, injeção, nem maravilha curativa, remédio que quando não cura mata, quando não cura a doença mata o sujeito, nem o homem da mala anunciando catuaba composta, erva milagrosa, nem cobra nem jacaré. Minto. Cobra sim, que foi ela a responsável pelo que sucedeu, por tudo, aliás, desde o início dos tempos – rezam as Escrituras.
Era uma beleza, o lugar: beira-mar, beira-rio. Chegando apressada, pacotes de supermercado, carregando, sacos de gelo, pesando, e sssss, lá vinha, ligeira, serpenteando, na porta de entrada - em sua função, claro, serpente que era, de nascença.
Nem se pára, hora dessas, pra ver se é peçonhento ou não o bicho – cabeça triangular ou arredondada, escamas brilhantes e tal –, e assim, reativa, sapecou-lhe em cima o saco mais pesado, o de gelo, imobilizando-a, e no movimento brusco, paralisou-se também, nervo ciático pinçado, talvez, disseram. Dor. À mão chegaram um rodo e uma rede, dessas de limpar piscina, e não soube o que fazer nem com um nem com a outra. Acudiram, então, acorreram, matando o infeliz pequeno réptil a golpes de rodo. O pobre. Uma pena.
Passos lentos, subindo escadas até o quarto, até a varanda, de onde ondas batendo, de onde milhares de estrelas no céu e primeiros fogos de artifício anunciando o ano que nasceria dentro de quatro horas.
Velho vestido branco, tentou driblar a dor e concentrar novas esperanças, desejos, sonhos, resoluções. Vieram os drinques, vodka/suco de laranja, vinho, espumante e cada passo era um martírio.
Romaria até a fogueira, gente, festa, abraços, ano novo, ano velho, luzes dos fogos, risos, mais abraços, ondas lambendo os pés. E fim. Era já outro ano.
Vieram os analgésicos, antiinflamatórios, comprimidos, sublinguais, corticóides... E viria outro dia, que foi pior, e mais um, pior ainda, e no terceiro, finalmente, algum alívio, e o quarto dia, enfim, com a hora de pegar a estrada e voltar para casa, procurar um especialista, tentar a cura para a dor, já melhorada, ainda incômoda, ainda limitante.
O amigo sentenciou: isso aí na coluna é do seu medo de seguir em frente.
Com ou sem medo, seguiria - decisão de ano novo - afastando do caminho o que rasteja, sem que necessário seja sua aniquilação. Que no ano da Força, da abundância, da colheita, mesmo sem saber direito onde se vai chegar, é imperativo prosseguir.
Com ou sem dor, de pé. [Márcia Pinheiro]“maré cheia
a doença traz a dor e a cura
e semeia
grãos de resplendor
na loucura”
(“Pérolas aos poucos”, Zé Miguel Wisnik e Paulo Neves)



PROSA
“Alguém dizia que a Providência era o nome de batismo do acaso; algum devoto dirá que o acaso é um apelido da Providência.”
Chamfort
Máximas e pensamentos
VERSO
“O que de bom vem,
o que de ruim vai.”
Lisbeth Lima
“A conta gotas”

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