quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Sonhos que o dinheiro pode comprar

Ainda ontem o sobrescrito tascava neste mesmo espaço o título: “Sonhos que o dinheiro não pode comprar”.
Hoje retiro o “não”.
Não é crônica reciclada, adaptação, arremedo de ontem – pela preguiça natural que este dezembro de calor e compras de Natal provoca.
É que, hoje, o Supremo Tribunal Federal – em Brasília, claro – decide pela suspensão ou não da lei que garante um piso salarial de R$ 950 para os professores de escolas públicas deste Brazil Varonil.
Diga aí, caro leitor, minha mui estimada leitora: você confiaria a educação do seu filho a alguém que ganhasse menos de mil reais ao mês?
Não que o grau de confiabilidade de alguém possa ser mensurado pelo tamanho do contracheque ou da receita mensal. Mas, convenhamos, como exigir de alguém, de um professor, mestre, educador, competência em seu labor se não nos dignamos – a tal sociedade organizada – a prover-lhes uma paga igualmente digna?
É a mesma situação dos policiais, outro exemplo. Enquanto o cidadão que detém um certo poder para mudar o rumo das coisas sente-se minimamente seguro no seu dia-a-dia, o resto que se vire – no coletivo-transporte-de-todos, na rua de terra batida e pouca ou nenhuma iluminação, no barzinho da periferia.
Há tempos que a tal elite branca vem dando seus pulos – plano de saúde, escola particular, condomínio fechado com guarita eletrônica e cerca elétrica e porteiro uniformizado – enquanto a plebe, há mais tempo ainda, se vira nos trinta – nos trinta dias. Cada qual com a paga média de dois dólares.
Estranhou os dólares? É a base de cálculo do Banco Mundial para medir a pobreza: “moderada” para aqueles que recebem menos de dois ao dia, “extrema” para quem vive com menos de um dólar por dia. Já o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o famoso IBGE, considera pobre todo brasileiro com um rendimento individual de até R$ 121 por mês.
Assim sendo, um professor de escola pública pode – hoje, dependendo do STF – ser considerado 7,8 vezes mais rico que um pobre moderado. Ou “extremo”, sei lá eu.
Muito pouco ainda. Afinal, o que compra um professor com um salário de menos de mil reais ao mês? Descontando a despesa com habitação, energia, telefonia, alimentação, transporte, sobra muito pouco, ou não sobra, para investimentos que incrementem a própria educação e conhecimento. Um professor interessado em comprar livros, por exemplo, fica impossibilitado de fazê-lo. Eu disse livros? Ler um jornal diário custa em média 30 reais/mês. E, pois, que despautério, desejar que professores desejem livros comprar!
Se é difícil investir nos próprios sonhos, que dirá investir no sonho dos filhos “dos outros”?
Aí quando a polícia não consegue prender os bandidos que por sua vez não freqüentaram a escola, por que pública e com as deficiências de praxe, é um deus-nos-acuda.
Pior: quando a polícia, despreparada e mal paga, por desventura erra, e uma bala perdida atinge o cidadão da Ilha da Fantasia, seus habitantes gritam. Reclamam. Clamam por justiça.
Com os professores não deveria ser diferente. Mesmo não sendo os mesmos mestres de nossos filhos. Mas dos filhos dos “outros”, aqueles, além dos cordões dos blocos do Carnatal (um piso salarial igual a 3,8 abadás).
*
MESTRES & MUROS
Câmara Cascudo dizia sobre dois de seus professores, Pedro Alexandrino dos Anjos e Francisco Ivo Cavalcanti, que tinham trabalhado “no cimento e gesso do meu espírito”.
Enquanto Nei Leandro de Castro, em “Memória quase afetiva”, enxergava assim a escola do seu tempo: “O Colégio Marista/ tinha muros altos, medievais,/ que era para nenhum pobre/ cruzar os seus umbrais.”
DIANA
O Projeto Poticanto – que tem como mote o dístico “Um canto 100% potiguar” – fecha a temporada 2008, com um show de Diana Cravo. Hoje, oito da noite no TCP (Teatro de Cultura Popular Chico Daniel) da Fundação Zé Augusto.
De grátis.
BRUMAS
“As religiões matriarcais, onde as mulheres eram percebidas em sua totalidade, e o sacro e o profano caminhavam lado a lado, pois o sexo também era percebido como ato divino, encontram-se ‘submersas em brumas.’” – do release da Companhia Xamã de Teatro, sobre “Las nieblas”, que será exibido hoje, 21h, no Budda Pub, Black Point.
Ana Harff, Cibelle Souza, Ellen Paes, Iara Marzocchi, Isabel Cristine, Márcia Pereira, Paula Braz, Regina Silva, Vívian Szterling e Tatiana Minchoni prometem dissipar as tais brumas.
PELO BRASIL
É amanhã que o nosso Carlos Zens dá início a um belo périplo musical ao lado da lenda-viva Lia de Itamaracá: na Funarte, antigo estado da Guanabara. Na sexta-feira, o grupo volta ao Recife, onde faz show no Parque São Pedro. O sábado será dedicado à gravação do programa “Som na Rua” (TV Brasil). Domingo, em vez de descansar, a turma se apresenta no Sítio da Trindade.



PROSA
“A dor é sua educação e sua fé. A dor o torna crente.”
Alan Pauls
História do pranto
VERSO
“Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.”
Murilo Mendes
“Canção do exílio”

Nenhum comentário:

Postar um comentário